Tive a oportunidade de, quatro dias após a estreia portuguesa, poder ver o filme "Inocente ou Culpado?" de Alan Parker, com Kevin Spacey, Kate Winslet e Laura Linney nos principais papéis. Se bem que na América o filme se encontra já disponível em vídeo e DVD, só agora chegou às nossas salas de cinema. É um filme que, apesar de certas imagens que podem ferir os espectadores mais sensíveis, deve ser visto, não tanto pela técnica do filme e outros aspectos (se bem que o desempenho de Kevin Spacey é mais uma vez notável, na minha opinião), mas essencialmente pelo seu argumento, envolvente, bem pensado, intrigante e com uma grande mensagem política.
A trama do filme resume-se, "grosso modo", assim: David Gale é acusado de ter violado e assassinado a sua colega da DeathWatch, Constance, e encontra-se no Corredor da Morte, a quatro dias da sua execução. Convida uma jornalista famosa, Bitsey, a quem vai contar a sua história, a sua vida. Ela terá de percorrer um sinuoso caminho para chegar à verdade, simplesmente aterradora (quem não gostar de saber os finais, deixe de ler aqui): planeadamente, Constance suicidou-se, simulando um crime, do qual David assumiria as culpas, para, deste modo, provarem, os dois, com a sua morte, que o sistema pode falhar e condenar pessoas inocentes. A inocência de Gale está dentro duma cassete de vídeo, que outro activista da DeathWatch houvera gravado com o intento de a revelar mesmo após a execução de Gale, dando-lhe essa vitória na morte, que em vida não houvera atingido. Sim, porque Gale, apesar dos esforços de Bitsey, é morto.
A história deste professor de filosofia é muito mais rica e bastante humana, mostrando a vida tal como ela é. São abordados temas como o despedimento, o alcolismo, a marginalidade, a violação, o divórcio, a paternidade,... que contribuem muito para o filme. No entanto, são certamente os factos do segundo parágrafo que verdadeiramente interessam para estas reflexões sobre a Pena de Morte, e transmitem a mensagem do realizador, provando que o sistema erra e pode condenar e condena pessoas inocentes, vítimas da Pena Capital.
Muitos evocam a famosa lei de Talião "Olho por olho, dente por dente". Há que entender o contexto em que esta "lei" surgiu. Antigamente, os homens andavam divididos em tribos. Quando alguém duma tribo ataca um da outra, esta última dizimava a primeira. Assim, autênticos mini-genocídios ocorriam constantemente. Ora esta lei estabeleceu um semiprincípio de igualdade. Deste modo, estes massacres deixaram de ocorrer, pois a morte dum era respondida com a doutro, e nada mais. Sem dúvida, uma opinião inteligente, nesse tempo...
Nesse tempo... porque hoje em dia o contexto é outro. Como dizia Gandhi, numa frase que David Gale também evoca no filme precisamente como resposta a este argumento a meio duma discussão televisiva com o governador do Estado do Texas, "Olho por olho, e acabaremos por ficar todos cegos." Igualmente Kant diz que se nos matarmos todos uns aos outros, acabará por não restar um único ser humano que seja. Ora a Pena de Morte nada mais é do que uma forma de assassínio.
De que serve uma pessoa morta para a sociedade? Para que os familiares da vítima se possam saciar com as imagens da morte com a injecção letal desta, agarrada a uma cama? O condenado matou uma vida. Não é justo. É desumano. É cruel. Mas mais hediondo é descermos ao mesmo nível e matámo-lo também. Assim, não só ele peca, mas o Estado, também ele culpado da morte de centenas de pessoas. A razão nega a Pena de Morte, sugerindo, ao invés, os trabalhos forçados. Pois se é justo dar uma punição, no mínimo que essa punição possa em algo compensar a humanidade, pois é a humanidade que é atingida pelos assasinos, já que cada homem, cada mulher, pertence ao mundo e nós a ele pertencemos. Assim, porque não condenar estes prisioneiros a trabalhar em minas, um trabalho perigoso e arriscado? Será pouco? Dizem uns que mereciam sofrer mais. Porém, entendamos, muitos dos assassinos não têm medo da morte, pois, efectivamente, nada há a temer, por muito que o comum dos mortais isso clame, referindo-se a ela com temor e pavor. Não se pode chamar à morte benção, mas vingança e maldição também não a qualificam.
Eu defendo o perdão, mas àqueles que escolhem para estes culpados a morte, para lhes darem o beijo do anjo negro a provar, confiantes de que assim mais atemorizam e sua vingança assim plena se cumpre, eu digo: reflecti. Se é isso que procurais, tendo em conta o que já se falou sobre a morte em si e a visão que muitos têm dela, como se pode considerá-la uma tortura? O que é mais custoso: morrer em segundos, ou viver uma vida amaldiçoada e que nos condena pelo passado, fazendo-nos sofrer, não somente uns instantes, mas longos e torturosos, sinuosos, dias? Julgo que a resposta se afigura óbvia a qualquer um com senso comum.
Não é a pena de morte que amedronta os assassinos e evita que eles cada vez mais medrem, como o próprio David Gale diz no filme. No Estado do Texas, onde se regista a maior taxa de execuções, é onde mais pessoas a esta pena são condenadas. Não, decididamente esta não é uma política a adoptar.
Todos temos direito à vida. Certos violam este mandamento, assassinando outros. É incorrecto. Mas injusto é igualmente dar-lhes o mesmo destino, não só por ir contra a moral e a razão, mas por ser um acto de crueldade e rebaixamento, inculto, próprio de gente tempestuosa, incauta e irreflectida. Julgo não ser este o protótipo de homem que no futuro queremos ver a governar o Mundo: um homem que não olha a meios para atingir os fins, e, como o próprio Hitler declarou, servir-se de tudo para livrar o Mundo do mal. Só um instrumento nos pode valer nesta demanda, e ele não é a violência e a vingança, sentimentos próprios dos sanguinários, mas sim, e unicamente, a razão e a moral. A Pena de Morte não é uma punição, é um crime.
P.S. (póstumo): Ao importar o texto para o Varanda, não corrigi senão os erros ortográficos que continha, aqui e ali, filhos da pressa com que o texto fora escrito primeiro. Deixei propositadamente impunes - dá uma sabor de passado e infância literária - erros gramaticais, de coerência de tempos verbais, por exemplo, como em: "Quando alguém duma tribo ataca um da outra, esta última dizimava a primeira". A imagem que ilustra o post, essa, foi acrescentada hoje (24.01.08). Uma nota final para esclarecer que, ainda que continue firme na minha rejeição da pena de morte, a minha argumentação hoje pouco ou nada tem a ver com o que pensava, quando redigi este texto. Algumas ideias avançadas nele, como a dos trabalhos forçados, arrepiam-me, ao relê-lo a esta distância. De facto, a humanidade do homem é uma conquista dura - e sempre inacabada.
A história deste professor de filosofia é muito mais rica e bastante humana, mostrando a vida tal como ela é. São abordados temas como o despedimento, o alcolismo, a marginalidade, a violação, o divórcio, a paternidade,... que contribuem muito para o filme. No entanto, são certamente os factos do segundo parágrafo que verdadeiramente interessam para estas reflexões sobre a Pena de Morte, e transmitem a mensagem do realizador, provando que o sistema erra e pode condenar e condena pessoas inocentes, vítimas da Pena Capital.
Muitos evocam a famosa lei de Talião "Olho por olho, dente por dente". Há que entender o contexto em que esta "lei" surgiu. Antigamente, os homens andavam divididos em tribos. Quando alguém duma tribo ataca um da outra, esta última dizimava a primeira. Assim, autênticos mini-genocídios ocorriam constantemente. Ora esta lei estabeleceu um semiprincípio de igualdade. Deste modo, estes massacres deixaram de ocorrer, pois a morte dum era respondida com a doutro, e nada mais. Sem dúvida, uma opinião inteligente, nesse tempo...
Nesse tempo... porque hoje em dia o contexto é outro. Como dizia Gandhi, numa frase que David Gale também evoca no filme precisamente como resposta a este argumento a meio duma discussão televisiva com o governador do Estado do Texas, "Olho por olho, e acabaremos por ficar todos cegos." Igualmente Kant diz que se nos matarmos todos uns aos outros, acabará por não restar um único ser humano que seja. Ora a Pena de Morte nada mais é do que uma forma de assassínio.
De que serve uma pessoa morta para a sociedade? Para que os familiares da vítima se possam saciar com as imagens da morte com a injecção letal desta, agarrada a uma cama? O condenado matou uma vida. Não é justo. É desumano. É cruel. Mas mais hediondo é descermos ao mesmo nível e matámo-lo também. Assim, não só ele peca, mas o Estado, também ele culpado da morte de centenas de pessoas. A razão nega a Pena de Morte, sugerindo, ao invés, os trabalhos forçados. Pois se é justo dar uma punição, no mínimo que essa punição possa em algo compensar a humanidade, pois é a humanidade que é atingida pelos assasinos, já que cada homem, cada mulher, pertence ao mundo e nós a ele pertencemos. Assim, porque não condenar estes prisioneiros a trabalhar em minas, um trabalho perigoso e arriscado? Será pouco? Dizem uns que mereciam sofrer mais. Porém, entendamos, muitos dos assassinos não têm medo da morte, pois, efectivamente, nada há a temer, por muito que o comum dos mortais isso clame, referindo-se a ela com temor e pavor. Não se pode chamar à morte benção, mas vingança e maldição também não a qualificam.
Eu defendo o perdão, mas àqueles que escolhem para estes culpados a morte, para lhes darem o beijo do anjo negro a provar, confiantes de que assim mais atemorizam e sua vingança assim plena se cumpre, eu digo: reflecti. Se é isso que procurais, tendo em conta o que já se falou sobre a morte em si e a visão que muitos têm dela, como se pode considerá-la uma tortura? O que é mais custoso: morrer em segundos, ou viver uma vida amaldiçoada e que nos condena pelo passado, fazendo-nos sofrer, não somente uns instantes, mas longos e torturosos, sinuosos, dias? Julgo que a resposta se afigura óbvia a qualquer um com senso comum.
Não é a pena de morte que amedronta os assassinos e evita que eles cada vez mais medrem, como o próprio David Gale diz no filme. No Estado do Texas, onde se regista a maior taxa de execuções, é onde mais pessoas a esta pena são condenadas. Não, decididamente esta não é uma política a adoptar.
Todos temos direito à vida. Certos violam este mandamento, assassinando outros. É incorrecto. Mas injusto é igualmente dar-lhes o mesmo destino, não só por ir contra a moral e a razão, mas por ser um acto de crueldade e rebaixamento, inculto, próprio de gente tempestuosa, incauta e irreflectida. Julgo não ser este o protótipo de homem que no futuro queremos ver a governar o Mundo: um homem que não olha a meios para atingir os fins, e, como o próprio Hitler declarou, servir-se de tudo para livrar o Mundo do mal. Só um instrumento nos pode valer nesta demanda, e ele não é a violência e a vingança, sentimentos próprios dos sanguinários, mas sim, e unicamente, a razão e a moral. A Pena de Morte não é uma punição, é um crime.
P.S. (póstumo): Ao importar o texto para o Varanda, não corrigi senão os erros ortográficos que continha, aqui e ali, filhos da pressa com que o texto fora escrito primeiro. Deixei propositadamente impunes - dá uma sabor de passado e infância literária - erros gramaticais, de coerência de tempos verbais, por exemplo, como em: "Quando alguém duma tribo ataca um da outra, esta última dizimava a primeira". A imagem que ilustra o post, essa, foi acrescentada hoje (24.01.08). Uma nota final para esclarecer que, ainda que continue firme na minha rejeição da pena de morte, a minha argumentação hoje pouco ou nada tem a ver com o que pensava, quando redigi este texto. Algumas ideias avançadas nele, como a dos trabalhos forçados, arrepiam-me, ao relê-lo a esta distância. De facto, a humanidade do homem é uma conquista dura - e sempre inacabada.