quarta-feira, outubro 18, 2006

Moleskines §7: Saudade & Saudação [rascunho]


(homenagem possível - não ideológica - às inscrições murais da uc:
o que, de mais novo, sempre me marcou mais)

Na entrada do velho – porque conhecido – bloco, a professora esclarecida esperava. Alguns, adiantados, argumentavam entre si: atena, senhora de sabedoria, resolvia as disputas pela demonstração da verdade ante os olhos de todos. A luz espraiava-se como quem espreguiça dando tom e graça ao pátio amplo. Saí – general vitorioso de um triunfo suposto – do edifício para a claridade aberta. Inalei cada fragmento de ar no momento – e sorri com a passividade satisfeita e calma de quem congemina um plano malévolo. E o meu plano malicioso tinha o nome de: liberdade.

Em roda da professora, os alunos confessavam os enganos e cabisbaixavam à visão dos erros cometidos. Juntei-me – porque as celebrações são feitas em unidade – ao grupo. Quando enfim, pombas colectivas que uma corrida de um engravatado em passando pelo bando dispersa, nos separámos, regozijei. Concluíra-se ali, naquele tempo, o último passo: o derradeiro exame nacional fora fechado. Tentei balançar o significado do instante: perdia-se ali, irremediavelmente, toda uma vivência, abandonada, como um casaco que, por ser verão, incomoda. Era grande a minha alegria e, temerariamente, atirava-me adiante. Foi preciso o tempo, que labora nos corações sempre a saudade, para despontar a compreensão lenta do bem ali deixado – e para sempre inconquistável:

Ali cultivara amigos, como cadmo, no antigo mito, plantara guerreiros. Naquele espaço crescera apoiado de agricultores prudentes que não são aqueles que somente se afainam nas sementes, mas que, verdadeiramente, as amam, primeiro – e por isso, segundo, as cuidam. Foi o sítio onde não fui uva – mas vinho – e onde souberam destilar de mim as artes dionisíacas, que se chamam teatro. E ali montei a minha hybris a todos os deuses que se me opunham – e porque fui apoiado por grandes, triunfei. E por isso, quando alcancei, alpinista, o pico, precipitei-me no brado liberdade – porque me esqueci, na contemplação da paisagem e da vertigem, que caminhava sobre um monte e não via o mundo como da planície onde tinha principiado.

O tempo é capitalista – porque se soma rapidamente: e, paradoxo, para nós se some. Não tardou a altura de estagnar na inumerável fila da tenda gorda das matrículas lentas da reputada Universidade. [Pisquei os olhos]. Uma santíssima trindade reunida à porta de uma sala numerada nove: uma rapariga viva, um rapaz alto e eu, sentado. O elemento congregador dos três espíritos chegou enfim, a professora. Apresentações. Próxima aula. Almoço. Procurar a sala. Praxe, ou Os Pequenos Cantores Ordinários de «Viena». Na Universidade, tudo corre, feito coelho de Alice; ainda que tudo invulgarmente passe lento enquanto de-corre: como se visse em câmara lenta um sprint. Liberdade?, parcialmente – mas não a mentira que nos tinham prometido. Medo?, irrazoável – foram grandes as mãos que nos pegaram e nos ensinaram, depois de gatinhar, a andar erectos e a descobrir o fogo: e é grande o calor humano.

Tem de se aprender uma nova arquitectura e a tratar reverentemente os professores – e faz-se bastante fora da sala que tem um quadro. Soubera eu de certeza ter, agora, quem me guiasse como sei hoje que tive no tempo que foi e na coisa que passou – e descansaria em paz. Reencontram-se pessoas que críamos perdidas e pródigos, prodígio!, retornam – atam-se os fios desatados do nosso passado. E sorrimos – porque o passado valeu transformado no presente.