sexta-feira, setembro 26, 2003

Quando Eu Era Pequenino §4: O Triângulo das Bermudas do século XXI- Parte II

Na primeira crónica, analisámos, logicamente, se a Guerra do Iraque foi uma intervenção justa e se a permanência das tropas dos EUA lá é justificável e recomendável. Concluímos que Saddam teria de ser deposto, mas de preferência pelo próprio povo, não pelos americanos. Igualmente, condenamos a ocupação do Iraque pelas forças dos States visto ser isso mesmo: uma ocupação de território alheio.
Nesta segunda crónica, pretende-se analisar, primeiramente, o atentado à embaixada da ONU no Iraque, que resultou na morte de várias pessoas, com especial destaque para morte de Sérgio Viera de Mello. Este facto é especialmente importante visto, aparentemente, contradizer o que foi dito na Parte I, ou seja, que era justo que os iraquianos resistissem contra as tropas ocupantes e que estas deviam deixar a ONU controlar o terreno, se bem que tal não pode ainda ser encarado como uma solução definitiva, pois o poder ainda não é, dessa forma, totalmentente dos iraquianos.
Da leitura destas palavras, poder-se-ia deduzir que o ataque a Sérgio Vieira de Mello e à sede da ONU no Iraque era justificável e eu concordava com ele. Por isso, trato de resolver esse equívoco. A resistência deve ser pacífica. Se se torna violenta, caso verse as tropas, apelida-se de rebelião (e isto já ser lamentável). Se visa civis, então nem resistência, nem rebelião é, mas sim terrorismo puro (o que é indubitavelmente condenável). Interrogam-se: e então os dirigentes? Estes, de facto, em certo modo são responsáveis pela permanência das tropas americanas no Iraque. Acontece porém que a ONU se opôs à intervenção no Iraque, sempre pediu a mais célere possível retirada da zona. E Sérgio Viera de Mello estava a representá-la. Ora, alguém no seu perfeito juízo não ataca alguém que o defende. Há que entender que este acto, de terrorismo puro, não foi levado a cabo pelos iraquianos, mas por fundamentalistas. Ora, pelos "mass media" ficar-se-ia com a ideia, por causa de certos comentários, que agora que começam a aflorar estes actos, bem se comprova a necessidade que Bush tinha de atacar o Iraque, minado de terroristas. E pior, associam a morte de Viera de Mello à morte das dezenas de soldados americanos.
Resumindo: A resistência iraquiana é justa e apoiável. Lamentável, já, é a rebelião, apesar de ter fundamentos racionais e justificáveis para os seus ataques. Todo o ataque passa porém a atentado se forem feridos/mortos civis ou apoiantes da própria causa. E quem pratica estes últimos são os terroristas, não os iraquianos.
Que fazer então aos fundamentalistas?

Antes de mais, há que lutar contra o aparecimento destes e evitar que mais se produzam em tantas e tão dispersas fábricas espalhadas por toda a área muçulmana. Nesse sentido, os bombardeamentos levados a cabo pelos USA no Afeganistão, destruíndo vários campos de treino da Al-Quaeda, foram sem dúvida, um acto a ovacionar e inteligente. Porém, não basta destruir apenas os meios, mas sim, e essencialmente, o começo. Ou seja, as madrassas. E para isso só há uma solução: informação e criação de alternativas. Há que informar os jovens (e pais) muçulmanos dos perigos do fundamentalismo. É difícil, mas é possível. Levará tempo, mas atingirá o seu sentido, já que a destruição da ignorância é o primeiro passo para a eliminação da irracionalidade. Porém, é necessário igualmente criar alternativas e mostrar aos jovens que podem ter uma educação humana e religiosa não só nas madrassas mas nas escolas. Os States deviam apoiar estes governos de modo a fomentar o aparecimento duma rede de escolas públicas, vasta e bem equipada, capaz de fazer frente às madrassas radicais.
Contudo, se bem que se possa parar o fluxo de chegada de novos jovens fundamentalistas, o que fazer aos que já existem actualmente e já saíram dessas madrassas? Ao contrário do que, de forma comum, se poderia pensar, o importante é desmantelar os leigos, não os cabeças de guerrilha. Matar os chefes destas organizações radicais só impele mais os seus fiéis a prosseguirem a luta contra "o inimigo satânico". É pois muito mais vital combater as células de seguidores, pois sem estes é que os cabeças do fundamentalismo tombarão, não o inverso. Nesta âmbito, é de louvar as capturas feitas na Europa, especialmente na do Centro, de mebros da Al-Quaeda. E esperemos que os EUA sigam a política europeia, ou seja, não os condenar à morte, como é corrente (e bárbaro) nesse país, pois tal só tornava, injustamente, mais mártires os fanáticos e incitava os outros a seguirem os seu exemplo.

Nota pessoal: é importante distinguir aquilo que eu entendo como "lamentável" e "condenável", bem como "reprovável". Reprovável é tudo o que vai contra a razão. Dentro do reprovável, podemos então ter o lamentável (em que as intenções são racionais, a forma como se levam a cabo e os resultados é que não) e o condenável (nem intenções, nem resultados, nem modo como é levado a cabo são racionais.)

Resumindo: O ataque ao Iraque é lamentável. A ocupação americana é reprovável. A resistência iraquiana é de apoiar. Os ataques às tropas americanas são, contudo, de lamentar. O ataque a Sérgio Viera de Mello ou tentativas duma ofensiva desse género à ONU (como já sucedeu esta semana) são condenáveis, visto estes [a ONU e Viera de Mello] apoiarem a causa iraquiana. Este género de ataques é levado a cabo não pelo povo iraquiano mas pelos fundamentalistas. Estes são um perigo para o mundo. Antes de mais, há que evitar que brotem mais. Para tal, a informação e a criação duma boa rede de ensino nos países muçulmanos é vital, para competir com as madrassas. Quanto aos que estão, agora, activos, há que tentar desfazer as células de subordinados, pois sem estas os líderes tombam, não o inverso, como é usual defender. Estes fanáticos capturados não devem ser condenados à morte, mas sim a outro tipo de castigo, visto a pena capital ir criar neles o injusto estatuto de mártires, que iria radicalizar os que restavam. É de louvar pois as acções europeias neste sentido.

Na Parte III, falar-se-á da experiância do Afeganistão e dos talibãs, as suas consequências e o estado actual da situação no terreno, bem como da razoabilidade (ou não) desta ofensiva militar.

sexta-feira, setembro 12, 2003

Quando Eu Era Pequenino §3: O Triângulo das Bermudas do Século XXI: Americanos, Semitas e Muçulmanos

Passaram dois anos sobre o 11/9. Mas mais do que dois anos passaram. Figuras, imagens, frases, pessoas, acontecimentos... Tudo numa espiral labiríntica de tal modo aguçada que acabava por nos ferir. Por isso, há que discernir e fazer o ponto da situação.
Muito se falou na Guerra do Iraque, sobre a sua constitucionalidade, as suas verdadeiras razões, os motivos ocultos que a desencadearam. E não só antes, como durante e depois dela. Uns argumentavam que o petróleo, o imperialismo e totalitarismo americano haviam levado àquela situação de lamentar; outros, apoiavam os EUA na sua santa demanda. Que opino eu? Vamos tentar perceber o que estava por trás...
O Iraque era uma ditadura, apresentando todas as características desse género de regime, tais como falta de liberdade de expressão e reunião, o controlo do poder por um só partido (o partido do ditador- neste caso o Baas), tortura, prisão ou mesmo morte para os opositores do regime e o cultivo do culto da imagem do chefe, como um grande pai e salvador da nação. Não há forma de negar estes factos.
Igualmente de consenso comum é que, excluindo o ditador e as elites por ele seleccionadas, a ditadura é um regime que causa sofrimento, dor e ignorância. Algo que conduz à ignorância não pode nunca, por maior número de pessoas que favoreça ou o apoie, ser considerado algo de positivo, mas antes reprovável, e vivamente reprovável, já que a ignorância é o pior mal dos homens. Como esse mal existe, tem de haver algo que o faça e algo que o sofra. Quem sofre? O povo. Quem proporciona o mal? O ditador e a sua ditadura. O que causa mal só pode ser uma coisa má. Daqui se conclui, que a ditadura é, necessariamente, algo negativo e mau, ao contrário do que certos esquerdistas querem fazer crer defendendo a "ditadura do proletariado" (já que se realmente for ditadura, como se provou, tem de ser má) ou dizendo, incautamente, que a Coreia do Norte é uma democracia...
O regime de Bagdad, liderado por Saddam, era, logo, algo mau. E se podermos eliminar o mal do Mundo, tanto melhor. Vimos que se há mal, alguém o pratica e alguém o sofre. O povo é, numa ditadura, pois, escravizado já que sofre algo de mau. O ditador é, então, não livre (longe disso!), mas libertino. Acontece porém que toda a libertinagem acaba no outro extremo, a escravatura. Esta afirmação, radical, é no entanto verdade. Efectivamente, olhando à minha volta, não consigo descobrir uma única situação em que isso não se passe. (Caso algum leitor consiga, por favor, informem-me).
Assim, já podemos assentar duas pedras vitais: O regime de Bagdad era uma ditadura e, nessa condição, acabaria por cair, mais tarde ou mais cedo. Já Mahatma Gandhi dizia que o bem acaba sempre, ao longo da história, por triunfar sobre o mal. E, de facto, recuando no tempo, concluí-mo-lo também. Grandes regimes severos e autoritários e repressivos como o de Bagdad acabaram por ruir, como este último também.
Contudo, existem duas formas dum regime cair: internamente ou externamente. Os EUA preferiram a via externa, encarregando-se eles próprios de fazerem o trabalho pelos iraquianos. E aqui começa o primeiro erro da administração de Bush: nunca deveria ter atacado externamente, sem antes ter tentado o golpe interno. E como se o faz?, perguntam. Para acabar ou criar algo nada melhor que saber as suas características. Vimos que as ditaduras mantêm o povo na ignorância. (Não se confunda ignorância com analfabetismo- um povo pode ter a maior cota de alfabetizados, mas se o que estes aprenderam na escola é falso e errado, aldrabado, continuam, não obstante, a serem néscios). Assim, uma das jogadas inteligentes que os EUA poderiam ter feito era informar as populações. Se o fazem na Coreia do Norte (através da introdução ilegal de milhares de aparelhos de rádio todos os anos nesse território), porque não o fizeram no Iraque? Pode-se dizer: a população informada poderia continuar a preferir a ditadura. Mas então, já não estaríamos numa ditadura para estarmos numa democracia, já que era isso que o povo queria. Argumentar-se-á: mesmo informadas, que poderiam fazer as pessoas? Manifestações, protestos, greves, revoltas. Podem-me refutar, afirmando: Saddam mandaria todos para a prisão ou acabaria mesmo por os prender. Se, contudo, as acções populares se mantivessem constantes, Saddam acabaria por não ter outra opção que as permitir, já que, se não tivesse o povo suficientemente para manter uma nação, não só esta não funcionaria, como o dinheiro que tinha já não viria em tão largos montantes, começando a escassear. Poderá conceber-se um país sem povo? Jamais! Saddam poderia, mesmo assim, para não os matar, prendê-los e obrigá-los, escravos, a continuaram o seu trabalho. Aí, teria de ser forte a vontade do povo para se recusar a tal, nem que os espancassem até à morte. Saddam acabaria pois por se ver na mesma alhada. Imaginando, dir-se-á que Saddam, na sua perfídia, acabaria mesmo por extreminar o próprio povo menos os militares. Mas então começaria a revolta destes, pois sem infra-estruturas acabariam por aumentar as suas necessidades e, sendo deles o poder das armas, não hesitariam em levar a cabo uma revolução. Assim, apesar de muitos terem de morrer pelo caminho, a revolta do povo teria voz, e, por fim, corpo, obrigando Saddam a liberalizar e democratizar o seu regime.
Era pois possível a queda interna, muito preferível à externa, pelo problema patriótico que esta levanta. Quem gostaria de abrir um livro com a história do seu país e ver que tudo tinha sido feito por outros que não a gente anónima, o povo, a nação própria? Talvez uma só intervenção militar, talvez só uma, não fosse nada de mal. Os franceses não se irritam por o Dia D ter sido levado a cabo por ingleses e americanos. Mas revoltar-se-iam se estes depois tivessem tomado o país, que é o que se passa precisamente no Iraque.
Não necessitamos de ir mais longe: Antes da revolução liberal, na defesa contra as invasões napoleónicas fomos ajudados pelos ingleses. Ninguém protesta, antes agradece. Porém, a sua permanência em território portugueses posteriormente, governando-o quase como se duma colónia se tratasse, isso sim, enfureceu os nossos avós, que os acabaram por expulsar. E nós, condenamos esse acto? Não, antes, patrioticamente, o louvamos! Julgam que os iraquianos são um povo anormal para não fazerem o mesmo? São gente!
A acção externa na política interna do Iraque pelos Estados Unidos é de lamentar, mas não de condenar. De condenar e repreender é o actual controle militar do Iraque por parte dos States. No mínimo, que o fizesse a ONU, que não representa um país, mas o Mundo! (Quanto ao atentado contra Vieira de Mello, ver próxima crónica). Os americanos agora, aflitos, tentam puxar enfim os capacetes azuis para a ribalta e para a arena, mas, não obstante, querem continuar a ter o controlo central de tudo.
Resumindo pois esta célebre questão da Segunda Guerra do Golfo: Seguindo o modelo de Gandhi, de não-violência, mas reclamação dos direitos próprios, nunca obedecendo à falsa autoridade, os iraquianos teriam podido, internamente, derrubar, se bem que a custo, como os indianos, do seu próprio sangue e morte, o poderio ditatorial de Saddam. É pois de lamentar o ataque americano ao Iraque. E devemos condenar firmemente a ocupação americana do território iraquiano.

Na Parte II falar-se-á do ataque à sede da ONU e a Viera de Mello, bem como da questão essencial dos fundamentalistas e o que fazer com estes, o perigo que constituem e como erradicá-los.

P.S. (
póstumo): eis novo disclaimer para afirmar que não mais concordo hoje com parte significativa da argumentação usada por mim quando, na infância, redigi este post. A tese principal - que a invasão do Iraque esteve, desde o princípio, errada - continua, porém, a ser defendida por mim. Como todos os posts da série Quando Eu Era Pequenino, a imagem é de hoje (25.01.2008). Interessante encontrar neste post algumas ideias que até hoje se mantêm imaculadas e outras que o espírito tratou de evoluir: então isto é amadurecer.

Imagem: Bush, a partir de fotos de marines tombados no Iraque.

terça-feira, setembro 02, 2003

Quando Eu Era Pequenino §2: Crónica dum Vómito II

Escusam de procurar entre os ainda escassos arquivos deste recém-criado blog. Efectivamente, não encontrarão, porque não consta, nenhuma "Crónica dum Vómito I". Porém, ela existe, e foi publicada, não num site irmão do deste, um qualquer outro blog, mas antes numa revista, que todos conhecemos bem, se não por mérito dela própria, pelos anúncios na TV ou mesmo o programa mãe que passa na TVI e acabaria por originar esta magazine.
Veio-me para às mãos, qui-lo o acaso, a revista Lux, do dia 16/8/2003, cujo o editorial me cativou logo a atenção, sendo apenas a sua leitura o suficiente para que saltasse imediatamente para as últimas páginas deste género de revistas, onde se encontra a programação televisiva da semana que, para ser franco, é a única secção que aprecio, por podermos ter uma visão geral dos filmes que podemos ver (ou gravar) no fim-de-semana.
O editorial, esse sim, intitulava-se "Crónica de um Vómito", da autoria do director da Lux, Carlos Pissara. O seguinte parágrafo visa resumir o seu artigo utilizando as suas próprias palavras.
"Sou daquelas pessoas normais que dão por elas a deitar o lixo no contentor verde instalado à porta de casa. [...] Muitas vezes faço um esforço para me controlar, não vá a náusea dar em vómito. E não é que no outro dia deu mesmo? A graça [...] é que não foi ao abrir o contentor verde à porta de casa, mas sim ao ler uma crónica (?) [...] desagradável, ofensiva, vulgar [...] da Sra. Alves. [este "Sra. Alves" encontrava-se sempre a negrito, melhor dito, a "roxito"] Uma crónica (?) que fala do nosso trabalho como "lixo, trash, lama, boue" [...] o das revistas Caras, Lux, Flash e VIP [...] À Sra.Alves, não vou explicar-lhe o nosso trabalho aqui na Lux [...] até porque a Sra. Alves não ia entender. A Sra. Alves tem o direito de não gostar [...] não tem o direito de escrever de forma imediata, leviana, arrogante, pretensiosa, mal-educada [...] Não me contive, não me controlei [...] Vomitei mesmo sobre a sua crónica (?) [...] Corremos ambos o risco de, ao cruzarmo-nos [...] vomitar e então sujar a Sra. Alves e sujar-me também a mim. Aí sim, a nossa roupa e nós próprios vamos ficar como o lixo de um contentor verde."
Estes extractos, que foram unidos de modo a dar a sombra do seu todo original, revelam bem o que é a crónica do Sr. Pissara. Por muito baixo que a Sra. Alves possa, na opinião desse senhor, ter descido, ele, se tivesse o mínimo de moral e razão do seu lado, saberia não descer ao suposto mesmo nível que ela, teria antes sentido pena dela, por estar longe da verdade (na opinião do Sr. Pissara).
Acontece, porém, que mais longe da verdade do que a Sra. Alves possa estar, está (e esse de certeza) o Sr. Pissara. Naturalmente, é compreensível a sua atitude. A sua revista, que ele dirige, é atacada. Parecia lógico responder. E se-lo-ia, tal como eu estou a responder à crónica dele. Porém, não devia ter caído no mesmo erro que ele, astutamente, acusa a Sra. Alves de ter cometido, ou seja, ter opinado e escrito de forma, e citando o próprio, "muito mal fundamentada".
É que o Sr. Pissara, na sua retórica, soube muito bem atacar, mas não se soube defender. Os estrategas de guerra só poderiam lamentar e reprovar este comportamento. É que, pelo meio de tanto insulto, de tantas bolas de lama que se trocaram entre os dois, em ambas as crónicas, o Sr. Pissara esqueceu-se de mostrar ao leitor desprevinido e ocasional, como foi o meu caso, o que, efectivamente, ao contrário do que a Sra. Alves diz, a sua revista, a Lux, realmente faz. Assim, fiquei, e muitos outros na minha situação ficaram, com uma pergunta sem resposta. O Sr. Pissara esforça-se por fugir a essa questão, argumentando a incapacidade mental da Sra. Alves para perceber o que ele diria. Mais, o Sr. Pissara invoca questões de tempo e dinheiro "Não vou explicar-lhe [...] porque não tenho tempo nem mais espaço aqui na revista, onde me pagam para outras coisas...". Note-se esta hierarquização de valores: em vez da busca pela verdade (só um dos dois pode ter razão, ou então nenhum), do esclarecimento dos seus leitores, habituais ou ocasionais, de honrar, através de elaborados textos, o seu trabalho, duma retórica consistente que vissasse convencer o leitor da veracidade das suas palavras, não. Nada disto acontece. Ele põe em primeiro lugar o dinheiro, o espaço, o tempo. Mas não vem ele a ser o director desta revista? As limitações são ele que as impõe. Se quissese, poderia escrever, no final, uma página adicional, onde desenvolvese, mais convincentemente, o seu ponto de vista, a sua perspectiva.
Há ainda a mencionar a forma, no mínimo, desagradável como é conduzida a crónica, que tem como fundo, ambientes, cenários, "coisas", bastante pouco higiénicas, tais como caixotes do lixo, náuseas, vómitos...
O Sr. Pissarra revela ainda uma profunda incoerência com os seus princípios, que afirma na sua crónica, mas que já vimos, são muito poucos ou muito baixos. Assim, lê-se "A Sra. Alves tem o direito de não gostar [...] e de criticar, não tem o direito de escrever duma forma [...] mal-educada". Bem, se tendo em conta o que foi dito acima, não podemos deduzir que esta crónica tem no mínimo uma má estrutura, uma má argumentação e, também, uma má educação; então, se tal não sucede, não sei o que são as boas normas.

Quanto a todo este género de revistas, que o Sr. Pissarra, citando a Sra. Alves, tão bem enumera: "Caras, Lux, Flash e Vip", há certos pontos que têm de ficar claros:
1) São revistas que vivem à custa de dois escalões: o das vedetas (e das que não o sendo, por um qualquer motivo oculto, nisso se tornam)e o do povo, os óbvios consumidores.
2)São revistas mais de imagens do que texto, sendo este, na sua maioria, constituído pelas legendas das respectivas imagens.
3)São revistas que procuram claramente o sensionalismo. Só para exemplificar e reforçar o meu ponto, veja-se o seguinte exemplo com que me deparei na revista Flash. No fundo da capa, um rectângulo vermelho com a seguinte mensagem «Escândalo! Filho de Carolina do Mónaco namora Actriz Porno». Porém, olhando para a capa da revista, não era este o título que líamos, já que a Flash trazia, durante o período de férias, como qualquer um que passase por um quiosque poderia reparar, pequenos livros de cruzadas e jogos. Ora acontece que este tapava parte da capa, o que originava, no fundo da revista, a seguinte mensagem, deturpada da outra original que acima revelámos, mas que era impossível de ler na sua plenitude «Escândalo! Carolina do Mónaco - Actriz Porno» Enfim, vê-se claramente porque a minha atenção foi atraída...

Constatados estes pontos, já provados ou por exemplos ou por aquilo que, indo a um quiosque e abrindo uma qualquer destas revistas podemos verificar; feito isto, podemos passar a mostrar como estas revistas constituem um autêntico tumor na sociedade, se bem que não são, e isso de longe, as piores de todas, como é o caso doutras revistas como Maria, Ana, Mulher Moderna...
Estas revistas, ao cultivarem a busca pelo sensionalismo, eliminam, rejeitam o caminho para a verdade, como o exemplo da Flash bem o comprova. Qual a utilidade de algo que tenta aldrabar a verdade, somente para cativar e captar a nossa atenção? Isso não é educação, isso não contribui em nada para o nosso crescimento, o nosso enriquecimento ou não é fundamental para a nossa sobrevivência.
Igualmente, estas revistas alimentam-se da classe das vedetas, e estas, a sua existência, por si só, contitui uma injustiça. A grande maioria delas, como estas revistas nos mostram, esbanjem o seu dinheiro em prazeres fúteis e egoístas, que contribuem para a sua privativa satisfação, sem atender e atentar nos pobres, nos necessitados, muitas vezes, nas carências do tal povo, consumidor destas revistas.

Resumindo: a crónica do Sr. Pissara, para além de contraditória, baixa e infundamentada, é, ainda, falsa. Na realidade, este género de revistas ("Caras, Lux, Flash e VIP") cultivam o sensionalismo, a imagem, a deturpação (pelo lucro) do real, o consumismo e, em casos mais extremos, podem conduzir à idolatria, com a divinização duma personalidade e a fixação de se tornar como ela. Este género de revistas servem-se ainda da vida das vedetas, que não representam modelos de vida para ninguém, e, pelos montantes bastante elevados de dinheiro que possuem, contituem uma autêntica viva e verídica injustiça social, que estas revistas alimentam.

terça-feira, agosto 12, 2003

Quando Eu Era Pequenino §1: Inocente ou Culpado? Reflexões Sobre a Pena de Morte

Tive a oportunidade de, quatro dias após a estreia portuguesa, poder ver o filme "Inocente ou Culpado?" de Alan Parker, com Kevin Spacey, Kate Winslet e Laura Linney nos principais papéis. Se bem que na América o filme se encontra já disponível em vídeo e DVD, só agora chegou às nossas salas de cinema. É um filme que, apesar de certas imagens que podem ferir os espectadores mais sensíveis, deve ser visto, não tanto pela técnica do filme e outros aspectos (se bem que o desempenho de Kevin Spacey é mais uma vez notável, na minha opinião), mas essencialmente pelo seu argumento, envolvente, bem pensado, intrigante e com uma grande mensagem política.
A trama do filme resume-se, "grosso modo", assim: David Gale é acusado de ter violado e assassinado a sua colega da DeathWatch, Constance, e encontra-se no Corredor da Morte, a quatro dias da sua execução. Convida uma jornalista famosa, Bitsey, a quem vai contar a sua história, a sua vida. Ela terá de percorrer um sinuoso caminho para chegar à verdade, simplesmente aterradora (quem não gostar de saber os finais, deixe de ler aqui): planeadamente, Constance suicidou-se, simulando um crime, do qual David assumiria as culpas, para, deste modo, provarem, os dois, com a sua morte, que o sistema pode falhar e condenar pessoas inocentes. A inocência de Gale está dentro duma cassete de vídeo, que outro activista da DeathWatch houvera gravado com o intento de a revelar mesmo após a execução de Gale, dando-lhe essa vitória na morte, que em vida não houvera atingido. Sim, porque Gale, apesar dos esforços de Bitsey, é morto.
A história deste professor de filosofia é muito mais rica e bastante humana, mostrando a vida tal como ela é. São abordados temas como o despedimento, o alcolismo, a marginalidade, a violação, o divórcio, a paternidade,... que contribuem muito para o filme. No entanto, são certamente os factos do segundo parágrafo que verdadeiramente interessam para estas reflexões sobre a Pena de Morte, e transmitem a mensagem do realizador, provando que o sistema erra e pode condenar e condena pessoas inocentes, vítimas da Pena Capital.
Muitos evocam a famosa lei de Talião "Olho por olho, dente por dente". Há que entender o contexto em que esta "lei" surgiu. Antigamente, os homens andavam divididos em tribos. Quando alguém duma tribo ataca um da outra, esta última dizimava a primeira. Assim, autênticos mini-genocídios ocorriam constantemente. Ora esta lei estabeleceu um semiprincípio de igualdade. Deste modo, estes massacres deixaram de ocorrer, pois a morte dum era respondida com a doutro, e nada mais. Sem dúvida, uma opinião inteligente, nesse tempo...
Nesse tempo... porque hoje em dia o contexto é outro. Como dizia Gandhi, numa frase que David Gale também evoca no filme precisamente como resposta a este argumento a meio duma discussão televisiva com o governador do Estado do Texas, "Olho por olho, e acabaremos por ficar todos cegos." Igualmente Kant diz que se nos matarmos todos uns aos outros, acabará por não restar um único ser humano que seja. Ora a Pena de Morte nada mais é do que uma forma de assassínio.
De que serve uma pessoa morta para a sociedade? Para que os familiares da vítima se possam saciar com as imagens da morte com a injecção letal desta, agarrada a uma cama? O condenado matou uma vida. Não é justo. É desumano. É cruel. Mas mais hediondo é descermos ao mesmo nível e matámo-lo também. Assim, não só ele peca, mas o Estado, também ele culpado da morte de centenas de pessoas. A razão nega a Pena de Morte, sugerindo, ao invés, os trabalhos forçados. Pois se é justo dar uma punição, no mínimo que essa punição possa em algo compensar a humanidade, pois é a humanidade que é atingida pelos assasinos, já que cada homem, cada mulher, pertence ao mundo e nós a ele pertencemos. Assim, porque não condenar estes prisioneiros a trabalhar em minas, um trabalho perigoso e arriscado? Será pouco? Dizem uns que mereciam sofrer mais. Porém, entendamos, muitos dos assassinos não têm medo da morte, pois, efectivamente, nada há a temer, por muito que o comum dos mortais isso clame, referindo-se a ela com temor e pavor. Não se pode chamar à morte benção, mas vingança e maldição também não a qualificam.
Eu defendo o perdão, mas àqueles que escolhem para estes culpados a morte, para lhes darem o beijo do anjo negro a provar, confiantes de que assim mais atemorizam e sua vingança assim plena se cumpre, eu digo: reflecti. Se é isso que procurais, tendo em conta o que já se falou sobre a morte em si e a visão que muitos têm dela, como se pode considerá-la uma tortura? O que é mais custoso: morrer em segundos, ou viver uma vida amaldiçoada e que nos condena pelo passado, fazendo-nos sofrer, não somente uns instantes, mas longos e torturosos, sinuosos, dias? Julgo que a resposta se afigura óbvia a qualquer um com senso comum.
Não é a pena de morte que amedronta os assassinos e evita que eles cada vez mais medrem, como o próprio David Gale diz no filme. No Estado do Texas, onde se regista a maior taxa de execuções, é onde mais pessoas a esta pena são condenadas. Não, decididamente esta não é uma política a adoptar.
Todos temos direito à vida. Certos violam este mandamento, assassinando outros. É incorrecto. Mas injusto é igualmente dar-lhes o mesmo destino, não só por ir contra a moral e a razão, mas por ser um acto de crueldade e rebaixamento, inculto, próprio de gente tempestuosa, incauta e irreflectida. Julgo não ser este o protótipo de homem que no futuro queremos ver a governar o Mundo: um homem que não olha a meios para atingir os fins, e, como o próprio Hitler declarou, servir-se de tudo para livrar o Mundo do mal. Só um instrumento nos pode valer nesta demanda, e ele não é a violência e a vingança, sentimentos próprios dos sanguinários, mas sim, e unicamente, a razão e a moral. A Pena de Morte não é uma punição, é um crime.

P.S. (póstumo): Ao importar o texto para o Varanda, não corrigi senão os erros ortográficos que continha, aqui e ali, filhos da pressa com que o texto fora escrito primeiro. Deixei propositadamente impunes - dá uma sabor de passado e infância literária - erros gramaticais, de coerência de tempos verbais, por exemplo, como em: "Quando alguém duma tribo ataca um da outra, esta última dizimava a primeira". A imagem que ilustra o post, essa, foi acrescentada hoje (24.01.08). Uma nota final para esclarecer que, ainda que continue firme na minha rejeição da pena de morte, a minha argumentação hoje pouco ou nada tem a ver com o que pensava, quando redigi este texto. Algumas ideias avançadas nele, como a dos trabalhos forçados, arrepiam-me, ao relê-lo a esta distância. De facto, a humanidade do homem é uma conquista dura - e sempre inacabada.