terça-feira, setembro 02, 2003

Quando Eu Era Pequenino §2: Crónica dum Vómito II

Escusam de procurar entre os ainda escassos arquivos deste recém-criado blog. Efectivamente, não encontrarão, porque não consta, nenhuma "Crónica dum Vómito I". Porém, ela existe, e foi publicada, não num site irmão do deste, um qualquer outro blog, mas antes numa revista, que todos conhecemos bem, se não por mérito dela própria, pelos anúncios na TV ou mesmo o programa mãe que passa na TVI e acabaria por originar esta magazine.
Veio-me para às mãos, qui-lo o acaso, a revista Lux, do dia 16/8/2003, cujo o editorial me cativou logo a atenção, sendo apenas a sua leitura o suficiente para que saltasse imediatamente para as últimas páginas deste género de revistas, onde se encontra a programação televisiva da semana que, para ser franco, é a única secção que aprecio, por podermos ter uma visão geral dos filmes que podemos ver (ou gravar) no fim-de-semana.
O editorial, esse sim, intitulava-se "Crónica de um Vómito", da autoria do director da Lux, Carlos Pissara. O seguinte parágrafo visa resumir o seu artigo utilizando as suas próprias palavras.
"Sou daquelas pessoas normais que dão por elas a deitar o lixo no contentor verde instalado à porta de casa. [...] Muitas vezes faço um esforço para me controlar, não vá a náusea dar em vómito. E não é que no outro dia deu mesmo? A graça [...] é que não foi ao abrir o contentor verde à porta de casa, mas sim ao ler uma crónica (?) [...] desagradável, ofensiva, vulgar [...] da Sra. Alves. [este "Sra. Alves" encontrava-se sempre a negrito, melhor dito, a "roxito"] Uma crónica (?) que fala do nosso trabalho como "lixo, trash, lama, boue" [...] o das revistas Caras, Lux, Flash e VIP [...] À Sra.Alves, não vou explicar-lhe o nosso trabalho aqui na Lux [...] até porque a Sra. Alves não ia entender. A Sra. Alves tem o direito de não gostar [...] não tem o direito de escrever de forma imediata, leviana, arrogante, pretensiosa, mal-educada [...] Não me contive, não me controlei [...] Vomitei mesmo sobre a sua crónica (?) [...] Corremos ambos o risco de, ao cruzarmo-nos [...] vomitar e então sujar a Sra. Alves e sujar-me também a mim. Aí sim, a nossa roupa e nós próprios vamos ficar como o lixo de um contentor verde."
Estes extractos, que foram unidos de modo a dar a sombra do seu todo original, revelam bem o que é a crónica do Sr. Pissara. Por muito baixo que a Sra. Alves possa, na opinião desse senhor, ter descido, ele, se tivesse o mínimo de moral e razão do seu lado, saberia não descer ao suposto mesmo nível que ela, teria antes sentido pena dela, por estar longe da verdade (na opinião do Sr. Pissara).
Acontece, porém, que mais longe da verdade do que a Sra. Alves possa estar, está (e esse de certeza) o Sr. Pissara. Naturalmente, é compreensível a sua atitude. A sua revista, que ele dirige, é atacada. Parecia lógico responder. E se-lo-ia, tal como eu estou a responder à crónica dele. Porém, não devia ter caído no mesmo erro que ele, astutamente, acusa a Sra. Alves de ter cometido, ou seja, ter opinado e escrito de forma, e citando o próprio, "muito mal fundamentada".
É que o Sr. Pissara, na sua retórica, soube muito bem atacar, mas não se soube defender. Os estrategas de guerra só poderiam lamentar e reprovar este comportamento. É que, pelo meio de tanto insulto, de tantas bolas de lama que se trocaram entre os dois, em ambas as crónicas, o Sr. Pissara esqueceu-se de mostrar ao leitor desprevinido e ocasional, como foi o meu caso, o que, efectivamente, ao contrário do que a Sra. Alves diz, a sua revista, a Lux, realmente faz. Assim, fiquei, e muitos outros na minha situação ficaram, com uma pergunta sem resposta. O Sr. Pissara esforça-se por fugir a essa questão, argumentando a incapacidade mental da Sra. Alves para perceber o que ele diria. Mais, o Sr. Pissara invoca questões de tempo e dinheiro "Não vou explicar-lhe [...] porque não tenho tempo nem mais espaço aqui na revista, onde me pagam para outras coisas...". Note-se esta hierarquização de valores: em vez da busca pela verdade (só um dos dois pode ter razão, ou então nenhum), do esclarecimento dos seus leitores, habituais ou ocasionais, de honrar, através de elaborados textos, o seu trabalho, duma retórica consistente que vissasse convencer o leitor da veracidade das suas palavras, não. Nada disto acontece. Ele põe em primeiro lugar o dinheiro, o espaço, o tempo. Mas não vem ele a ser o director desta revista? As limitações são ele que as impõe. Se quissese, poderia escrever, no final, uma página adicional, onde desenvolvese, mais convincentemente, o seu ponto de vista, a sua perspectiva.
Há ainda a mencionar a forma, no mínimo, desagradável como é conduzida a crónica, que tem como fundo, ambientes, cenários, "coisas", bastante pouco higiénicas, tais como caixotes do lixo, náuseas, vómitos...
O Sr. Pissarra revela ainda uma profunda incoerência com os seus princípios, que afirma na sua crónica, mas que já vimos, são muito poucos ou muito baixos. Assim, lê-se "A Sra. Alves tem o direito de não gostar [...] e de criticar, não tem o direito de escrever duma forma [...] mal-educada". Bem, se tendo em conta o que foi dito acima, não podemos deduzir que esta crónica tem no mínimo uma má estrutura, uma má argumentação e, também, uma má educação; então, se tal não sucede, não sei o que são as boas normas.

Quanto a todo este género de revistas, que o Sr. Pissarra, citando a Sra. Alves, tão bem enumera: "Caras, Lux, Flash e Vip", há certos pontos que têm de ficar claros:
1) São revistas que vivem à custa de dois escalões: o das vedetas (e das que não o sendo, por um qualquer motivo oculto, nisso se tornam)e o do povo, os óbvios consumidores.
2)São revistas mais de imagens do que texto, sendo este, na sua maioria, constituído pelas legendas das respectivas imagens.
3)São revistas que procuram claramente o sensionalismo. Só para exemplificar e reforçar o meu ponto, veja-se o seguinte exemplo com que me deparei na revista Flash. No fundo da capa, um rectângulo vermelho com a seguinte mensagem «Escândalo! Filho de Carolina do Mónaco namora Actriz Porno». Porém, olhando para a capa da revista, não era este o título que líamos, já que a Flash trazia, durante o período de férias, como qualquer um que passase por um quiosque poderia reparar, pequenos livros de cruzadas e jogos. Ora acontece que este tapava parte da capa, o que originava, no fundo da revista, a seguinte mensagem, deturpada da outra original que acima revelámos, mas que era impossível de ler na sua plenitude «Escândalo! Carolina do Mónaco - Actriz Porno» Enfim, vê-se claramente porque a minha atenção foi atraída...

Constatados estes pontos, já provados ou por exemplos ou por aquilo que, indo a um quiosque e abrindo uma qualquer destas revistas podemos verificar; feito isto, podemos passar a mostrar como estas revistas constituem um autêntico tumor na sociedade, se bem que não são, e isso de longe, as piores de todas, como é o caso doutras revistas como Maria, Ana, Mulher Moderna...
Estas revistas, ao cultivarem a busca pelo sensionalismo, eliminam, rejeitam o caminho para a verdade, como o exemplo da Flash bem o comprova. Qual a utilidade de algo que tenta aldrabar a verdade, somente para cativar e captar a nossa atenção? Isso não é educação, isso não contribui em nada para o nosso crescimento, o nosso enriquecimento ou não é fundamental para a nossa sobrevivência.
Igualmente, estas revistas alimentam-se da classe das vedetas, e estas, a sua existência, por si só, contitui uma injustiça. A grande maioria delas, como estas revistas nos mostram, esbanjem o seu dinheiro em prazeres fúteis e egoístas, que contribuem para a sua privativa satisfação, sem atender e atentar nos pobres, nos necessitados, muitas vezes, nas carências do tal povo, consumidor destas revistas.

Resumindo: a crónica do Sr. Pissara, para além de contraditória, baixa e infundamentada, é, ainda, falsa. Na realidade, este género de revistas ("Caras, Lux, Flash e VIP") cultivam o sensionalismo, a imagem, a deturpação (pelo lucro) do real, o consumismo e, em casos mais extremos, podem conduzir à idolatria, com a divinização duma personalidade e a fixação de se tornar como ela. Este género de revistas servem-se ainda da vida das vedetas, que não representam modelos de vida para ninguém, e, pelos montantes bastante elevados de dinheiro que possuem, contituem uma autêntica viva e verídica injustiça social, que estas revistas alimentam.

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