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sexta-feira, setembro 26, 2003

Quando Eu Era Pequenino §4: O Triângulo das Bermudas do século XXI- Parte II

Na primeira crónica, analisámos, logicamente, se a Guerra do Iraque foi uma intervenção justa e se a permanência das tropas dos EUA lá é justificável e recomendável. Concluímos que Saddam teria de ser deposto, mas de preferência pelo próprio povo, não pelos americanos. Igualmente, condenamos a ocupação do Iraque pelas forças dos States visto ser isso mesmo: uma ocupação de território alheio.
Nesta segunda crónica, pretende-se analisar, primeiramente, o atentado à embaixada da ONU no Iraque, que resultou na morte de várias pessoas, com especial destaque para morte de Sérgio Viera de Mello. Este facto é especialmente importante visto, aparentemente, contradizer o que foi dito na Parte I, ou seja, que era justo que os iraquianos resistissem contra as tropas ocupantes e que estas deviam deixar a ONU controlar o terreno, se bem que tal não pode ainda ser encarado como uma solução definitiva, pois o poder ainda não é, dessa forma, totalmentente dos iraquianos.
Da leitura destas palavras, poder-se-ia deduzir que o ataque a Sérgio Vieira de Mello e à sede da ONU no Iraque era justificável e eu concordava com ele. Por isso, trato de resolver esse equívoco. A resistência deve ser pacífica. Se se torna violenta, caso verse as tropas, apelida-se de rebelião (e isto já ser lamentável). Se visa civis, então nem resistência, nem rebelião é, mas sim terrorismo puro (o que é indubitavelmente condenável). Interrogam-se: e então os dirigentes? Estes, de facto, em certo modo são responsáveis pela permanência das tropas americanas no Iraque. Acontece porém que a ONU se opôs à intervenção no Iraque, sempre pediu a mais célere possível retirada da zona. E Sérgio Viera de Mello estava a representá-la. Ora, alguém no seu perfeito juízo não ataca alguém que o defende. Há que entender que este acto, de terrorismo puro, não foi levado a cabo pelos iraquianos, mas por fundamentalistas. Ora, pelos "mass media" ficar-se-ia com a ideia, por causa de certos comentários, que agora que começam a aflorar estes actos, bem se comprova a necessidade que Bush tinha de atacar o Iraque, minado de terroristas. E pior, associam a morte de Viera de Mello à morte das dezenas de soldados americanos.
Resumindo: A resistência iraquiana é justa e apoiável. Lamentável, já, é a rebelião, apesar de ter fundamentos racionais e justificáveis para os seus ataques. Todo o ataque passa porém a atentado se forem feridos/mortos civis ou apoiantes da própria causa. E quem pratica estes últimos são os terroristas, não os iraquianos.
Que fazer então aos fundamentalistas?

Antes de mais, há que lutar contra o aparecimento destes e evitar que mais se produzam em tantas e tão dispersas fábricas espalhadas por toda a área muçulmana. Nesse sentido, os bombardeamentos levados a cabo pelos USA no Afeganistão, destruíndo vários campos de treino da Al-Quaeda, foram sem dúvida, um acto a ovacionar e inteligente. Porém, não basta destruir apenas os meios, mas sim, e essencialmente, o começo. Ou seja, as madrassas. E para isso só há uma solução: informação e criação de alternativas. Há que informar os jovens (e pais) muçulmanos dos perigos do fundamentalismo. É difícil, mas é possível. Levará tempo, mas atingirá o seu sentido, já que a destruição da ignorância é o primeiro passo para a eliminação da irracionalidade. Porém, é necessário igualmente criar alternativas e mostrar aos jovens que podem ter uma educação humana e religiosa não só nas madrassas mas nas escolas. Os States deviam apoiar estes governos de modo a fomentar o aparecimento duma rede de escolas públicas, vasta e bem equipada, capaz de fazer frente às madrassas radicais.
Contudo, se bem que se possa parar o fluxo de chegada de novos jovens fundamentalistas, o que fazer aos que já existem actualmente e já saíram dessas madrassas? Ao contrário do que, de forma comum, se poderia pensar, o importante é desmantelar os leigos, não os cabeças de guerrilha. Matar os chefes destas organizações radicais só impele mais os seus fiéis a prosseguirem a luta contra "o inimigo satânico". É pois muito mais vital combater as células de seguidores, pois sem estes é que os cabeças do fundamentalismo tombarão, não o inverso. Nesta âmbito, é de louvar as capturas feitas na Europa, especialmente na do Centro, de mebros da Al-Quaeda. E esperemos que os EUA sigam a política europeia, ou seja, não os condenar à morte, como é corrente (e bárbaro) nesse país, pois tal só tornava, injustamente, mais mártires os fanáticos e incitava os outros a seguirem os seu exemplo.

Nota pessoal: é importante distinguir aquilo que eu entendo como "lamentável" e "condenável", bem como "reprovável". Reprovável é tudo o que vai contra a razão. Dentro do reprovável, podemos então ter o lamentável (em que as intenções são racionais, a forma como se levam a cabo e os resultados é que não) e o condenável (nem intenções, nem resultados, nem modo como é levado a cabo são racionais.)

Resumindo: O ataque ao Iraque é lamentável. A ocupação americana é reprovável. A resistência iraquiana é de apoiar. Os ataques às tropas americanas são, contudo, de lamentar. O ataque a Sérgio Viera de Mello ou tentativas duma ofensiva desse género à ONU (como já sucedeu esta semana) são condenáveis, visto estes [a ONU e Viera de Mello] apoiarem a causa iraquiana. Este género de ataques é levado a cabo não pelo povo iraquiano mas pelos fundamentalistas. Estes são um perigo para o mundo. Antes de mais, há que evitar que brotem mais. Para tal, a informação e a criação duma boa rede de ensino nos países muçulmanos é vital, para competir com as madrassas. Quanto aos que estão, agora, activos, há que tentar desfazer as células de subordinados, pois sem estas os líderes tombam, não o inverso, como é usual defender. Estes fanáticos capturados não devem ser condenados à morte, mas sim a outro tipo de castigo, visto a pena capital ir criar neles o injusto estatuto de mártires, que iria radicalizar os que restavam. É de louvar pois as acções europeias neste sentido.

Na Parte III, falar-se-á da experiância do Afeganistão e dos talibãs, as suas consequências e o estado actual da situação no terreno, bem como da razoabilidade (ou não) desta ofensiva militar.

sexta-feira, setembro 12, 2003

Quando Eu Era Pequenino §3: O Triângulo das Bermudas do Século XXI: Americanos, Semitas e Muçulmanos

Passaram dois anos sobre o 11/9. Mas mais do que dois anos passaram. Figuras, imagens, frases, pessoas, acontecimentos... Tudo numa espiral labiríntica de tal modo aguçada que acabava por nos ferir. Por isso, há que discernir e fazer o ponto da situação.
Muito se falou na Guerra do Iraque, sobre a sua constitucionalidade, as suas verdadeiras razões, os motivos ocultos que a desencadearam. E não só antes, como durante e depois dela. Uns argumentavam que o petróleo, o imperialismo e totalitarismo americano haviam levado àquela situação de lamentar; outros, apoiavam os EUA na sua santa demanda. Que opino eu? Vamos tentar perceber o que estava por trás...
O Iraque era uma ditadura, apresentando todas as características desse género de regime, tais como falta de liberdade de expressão e reunião, o controlo do poder por um só partido (o partido do ditador- neste caso o Baas), tortura, prisão ou mesmo morte para os opositores do regime e o cultivo do culto da imagem do chefe, como um grande pai e salvador da nação. Não há forma de negar estes factos.
Igualmente de consenso comum é que, excluindo o ditador e as elites por ele seleccionadas, a ditadura é um regime que causa sofrimento, dor e ignorância. Algo que conduz à ignorância não pode nunca, por maior número de pessoas que favoreça ou o apoie, ser considerado algo de positivo, mas antes reprovável, e vivamente reprovável, já que a ignorância é o pior mal dos homens. Como esse mal existe, tem de haver algo que o faça e algo que o sofra. Quem sofre? O povo. Quem proporciona o mal? O ditador e a sua ditadura. O que causa mal só pode ser uma coisa má. Daqui se conclui, que a ditadura é, necessariamente, algo negativo e mau, ao contrário do que certos esquerdistas querem fazer crer defendendo a "ditadura do proletariado" (já que se realmente for ditadura, como se provou, tem de ser má) ou dizendo, incautamente, que a Coreia do Norte é uma democracia...
O regime de Bagdad, liderado por Saddam, era, logo, algo mau. E se podermos eliminar o mal do Mundo, tanto melhor. Vimos que se há mal, alguém o pratica e alguém o sofre. O povo é, numa ditadura, pois, escravizado já que sofre algo de mau. O ditador é, então, não livre (longe disso!), mas libertino. Acontece porém que toda a libertinagem acaba no outro extremo, a escravatura. Esta afirmação, radical, é no entanto verdade. Efectivamente, olhando à minha volta, não consigo descobrir uma única situação em que isso não se passe. (Caso algum leitor consiga, por favor, informem-me).
Assim, já podemos assentar duas pedras vitais: O regime de Bagdad era uma ditadura e, nessa condição, acabaria por cair, mais tarde ou mais cedo. Já Mahatma Gandhi dizia que o bem acaba sempre, ao longo da história, por triunfar sobre o mal. E, de facto, recuando no tempo, concluí-mo-lo também. Grandes regimes severos e autoritários e repressivos como o de Bagdad acabaram por ruir, como este último também.
Contudo, existem duas formas dum regime cair: internamente ou externamente. Os EUA preferiram a via externa, encarregando-se eles próprios de fazerem o trabalho pelos iraquianos. E aqui começa o primeiro erro da administração de Bush: nunca deveria ter atacado externamente, sem antes ter tentado o golpe interno. E como se o faz?, perguntam. Para acabar ou criar algo nada melhor que saber as suas características. Vimos que as ditaduras mantêm o povo na ignorância. (Não se confunda ignorância com analfabetismo- um povo pode ter a maior cota de alfabetizados, mas se o que estes aprenderam na escola é falso e errado, aldrabado, continuam, não obstante, a serem néscios). Assim, uma das jogadas inteligentes que os EUA poderiam ter feito era informar as populações. Se o fazem na Coreia do Norte (através da introdução ilegal de milhares de aparelhos de rádio todos os anos nesse território), porque não o fizeram no Iraque? Pode-se dizer: a população informada poderia continuar a preferir a ditadura. Mas então, já não estaríamos numa ditadura para estarmos numa democracia, já que era isso que o povo queria. Argumentar-se-á: mesmo informadas, que poderiam fazer as pessoas? Manifestações, protestos, greves, revoltas. Podem-me refutar, afirmando: Saddam mandaria todos para a prisão ou acabaria mesmo por os prender. Se, contudo, as acções populares se mantivessem constantes, Saddam acabaria por não ter outra opção que as permitir, já que, se não tivesse o povo suficientemente para manter uma nação, não só esta não funcionaria, como o dinheiro que tinha já não viria em tão largos montantes, começando a escassear. Poderá conceber-se um país sem povo? Jamais! Saddam poderia, mesmo assim, para não os matar, prendê-los e obrigá-los, escravos, a continuaram o seu trabalho. Aí, teria de ser forte a vontade do povo para se recusar a tal, nem que os espancassem até à morte. Saddam acabaria pois por se ver na mesma alhada. Imaginando, dir-se-á que Saddam, na sua perfídia, acabaria mesmo por extreminar o próprio povo menos os militares. Mas então começaria a revolta destes, pois sem infra-estruturas acabariam por aumentar as suas necessidades e, sendo deles o poder das armas, não hesitariam em levar a cabo uma revolução. Assim, apesar de muitos terem de morrer pelo caminho, a revolta do povo teria voz, e, por fim, corpo, obrigando Saddam a liberalizar e democratizar o seu regime.
Era pois possível a queda interna, muito preferível à externa, pelo problema patriótico que esta levanta. Quem gostaria de abrir um livro com a história do seu país e ver que tudo tinha sido feito por outros que não a gente anónima, o povo, a nação própria? Talvez uma só intervenção militar, talvez só uma, não fosse nada de mal. Os franceses não se irritam por o Dia D ter sido levado a cabo por ingleses e americanos. Mas revoltar-se-iam se estes depois tivessem tomado o país, que é o que se passa precisamente no Iraque.
Não necessitamos de ir mais longe: Antes da revolução liberal, na defesa contra as invasões napoleónicas fomos ajudados pelos ingleses. Ninguém protesta, antes agradece. Porém, a sua permanência em território portugueses posteriormente, governando-o quase como se duma colónia se tratasse, isso sim, enfureceu os nossos avós, que os acabaram por expulsar. E nós, condenamos esse acto? Não, antes, patrioticamente, o louvamos! Julgam que os iraquianos são um povo anormal para não fazerem o mesmo? São gente!
A acção externa na política interna do Iraque pelos Estados Unidos é de lamentar, mas não de condenar. De condenar e repreender é o actual controle militar do Iraque por parte dos States. No mínimo, que o fizesse a ONU, que não representa um país, mas o Mundo! (Quanto ao atentado contra Vieira de Mello, ver próxima crónica). Os americanos agora, aflitos, tentam puxar enfim os capacetes azuis para a ribalta e para a arena, mas, não obstante, querem continuar a ter o controlo central de tudo.
Resumindo pois esta célebre questão da Segunda Guerra do Golfo: Seguindo o modelo de Gandhi, de não-violência, mas reclamação dos direitos próprios, nunca obedecendo à falsa autoridade, os iraquianos teriam podido, internamente, derrubar, se bem que a custo, como os indianos, do seu próprio sangue e morte, o poderio ditatorial de Saddam. É pois de lamentar o ataque americano ao Iraque. E devemos condenar firmemente a ocupação americana do território iraquiano.

Na Parte II falar-se-á do ataque à sede da ONU e a Viera de Mello, bem como da questão essencial dos fundamentalistas e o que fazer com estes, o perigo que constituem e como erradicá-los.

P.S. (
póstumo): eis novo disclaimer para afirmar que não mais concordo hoje com parte significativa da argumentação usada por mim quando, na infância, redigi este post. A tese principal - que a invasão do Iraque esteve, desde o princípio, errada - continua, porém, a ser defendida por mim. Como todos os posts da série Quando Eu Era Pequenino, a imagem é de hoje (25.01.2008). Interessante encontrar neste post algumas ideias que até hoje se mantêm imaculadas e outras que o espírito tratou de evoluir: então isto é amadurecer.

Imagem: Bush, a partir de fotos de marines tombados no Iraque.