1. Em Busca do Tempo Perdido - Do Lado de Swann, Marcel Proust
(trad.: Pedro Tamen)
2. The Idiot, Dostoiévski
(trad.: David McDuff)
3. A Perna Esquerda de Paris seguido de Roland Barthes e Robert Musil,
Gonçalo M. Tavares
2. The Idiot, Dostoiévski
(trad.: David McDuff)
3. A Perna Esquerda de Paris seguido de Roland Barthes e Robert Musil,
Gonçalo M. Tavares
Um homem lê muito, e ainda assim lê pouco. «Tem de haver outra forma de um homem se salvar», suspirava com pavor o grande Almada. Talvez porque em vida isso nos seja impossível Borges cuidou que o paraíso fosse uma biblioteca. Cada vez que um homem descobre um livro que lhe muda a vida tem de se interrogar necessariamente sobre as vidas que anda a perder à custa dos livros que não leu. Isto é apenas outra forma do problema do mal e urge uma teodiceia disto. E porém um livro só age no tempo bom no tempo certo. Mil livros nunca me salvarão por eu os ler no dia errado. O que seria eu se eles me salvassem, eles e não outros, eles e não os que me salvaram? Foi tudo tão acaso - e, simultaneamente, foi tudo providência.
De quanto li no seis meses passados, guardei três monumentos três textos bíblicos três palestinas para regressar no fim da diáspora. Três textos em que cada palavra era acutilante, necessária e fértil; cada palavra um livro ou um verso (se há alguma diferença entre os dois, é um tópico controverso). Assim se escolhem as grandes obras: aquelas que são bibliotecas. Dêem-me uma centena, se as há, destas, e em três dias reconstruo-vos alexandria.
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OUTROS DE BOA MEMÓRIA:
Spiegelman ganhou o Pulitzer por isto. Mais que o mereceu. Maus é indizível e ao cruzar três narrativas - o Holocausto segundo o pai de Art, a relação dos dois, e a meta-narrativa sobre a composição do próprio Maus - transforma-se num dos mais revolucionários exercícios criativos da nona arte.
A obra-prima de Lermontov é um belíssimo naco do romantismo russo que dá um gozo tremendo a ler (para mais na tradução excelentíssima do Nabokov e filho, mas não há desculpa para os preguiçosos: existe também uma novíssima tradução dos Guerra, os nossos vovós russos, que nos contam as estórias dessa terra distante e grande).
Persepolis é o Underground do Irão, um mini-épico do país, um Bildungsroman alucinante de uma enorme boa-disposição mas sempre com a tragédia em pano de fundo (assim era também no filme do Kusturica). O Irão é esse país desconhecido de que, contudo, estamos sempre a falar: eis uma boa maneira de acabar com a hipocrisia (a seguir a isto, a Morte na Pérsia: a ler algures este ano).
Foi a segunda vez que voltei a estudar, a Grego, o Banquete de Platão, louvado por muitos como quiçá o diálogo mais perfeito do ponto de vista literário. A estrutura da peça roça, de facto, a perfeição, mas são necessárias várias leituras e uma atenção cuidada para que nos apercebamos das múltiplas subtilezas que Platão vai semeando. Platão é o Beethoven da filosofia. Compromisso pessoal para este ano: ler a obra completa do génio (o Aristóteles é um rato comparado com o professor).
A Íliada não é um livro. É uma coisa. Isso mesmo: uma coisa. Olhar para aquilo como uma estória é dificil e põe a obra a perder. Aquilo é o mito original, a própria linguagem que falamos a escrever. Sabemos-lhe o final e o meio é cheio de cadáveres em batalhas excessivamente longas e sangue e tripas. Face às obras clássicas e ao homem moderno a questão é: que valor tem isto para mim hoje? E a resposta é: aprender a balbuciar. Como um bebé. A Ilíada é a mamã Homero a ensinar o filho humanidade, a dar-lhe as palavras e apontar-lhe as coisas a que se referem. O que resgata a Ilíada é em cada página existir um verso que redime todos os outros. Vou abrir ao acaso: "A morte chega a quem nada faz e a quem muito alcança" (IX.320), "Eles preocupam-me, embora vão morrer" (XX.21; Zeus, o pai dos imortais, sobre os homens); "e as palavras morderam o espírito de Heitor" (V.493). Por vezes, Homero chega mesmo, como neste último poema (o verso sozinho é um poema inteiro, sim senhor), a ser esquiliano (esclarecimento: Ésquilo é o maior génio das letras gregas). E depois há toda a tragédia. A Ilíada é a tragédia dos que morrem e morrem sem razão, ignorados pelos deuses (há um verso absolutamente terrível em que Atena rejeita as oferendas dos troianos, mostrando bem a arbitrariedade da vontade divina). É a Guerra. Há que substituir as coisas e falar da Ilíada do Iraque, da Tróia Palestino-Israelita. E depois há Helena. E Heitor. E Andrómaca. E Príamo. A Ilíada é como um rascunho a pedir aos escritores de todo o mundo que a peguem e reescrevam: a literatura mundial é isso.
Só há uma e uma só razão pela qual The Wake não está na companhia dos três primeiros, no seu lugar devido, que é o dos contos imortais: é que The Wake não existe por si, antes funciona como epílogo a The Kindly Ones, da mesma forma que Worlds' End é o prólogo. O oitavo e o décimo volumes de Sandman, apesar de serem mais do que isso, devem, a meu ver, ser entendidos sobretudo como acompanhantes do nono, esse sim o verdadeiro volume final da série. O nono, porém, já tinha sido lido em Fevereiro passado. Para que, porém, não restem dúvidas, declaração: Sandman, a série, e muito especialmente The Kindly Ones (acolitada do livro antes e do livro depois), é uma das maiores obras-primas do século XX e um texto maior da literatura mundial. Declaração específica: The Wake foi o segundo livro a fazer-me chorar em toda a minha vida. Dito isto, considero todos os esclarecimentos dados.
LIVROS DA ESCOLA DE ATENAS:
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David Hume
2. The Problems of Philosophy, Bertrand Russell
3. Meditations On First Philosophy, René Descartes
4. Nicomachean Ethics, Aristóteles
Postos todos em fila ao monte não se percebe muito bem, mas Hume está muito acima de qualquer um dos outros. Discordo com Hume em muito do que ele diz, mas é inegável que quer o que ele diz é ainda hoje de uma enorme pertinência filosófica (o famoso problema da indução que ele aqui expõe continua sem resposta), quer a maneira como o diz, com grande clareza, quase humor, e estilo trabalhado, o tornam um dos maiores filósofos de sempre. Para que se veja a dimensão da coisa, diga-se que ponderei seriamente tirar a obra de Hume desta secção e juntá-la aos Outros de Boa Memória, tal é a sua superioridade. Faz favor ler o livro na edição da Oxford Philosophical Texts: dificilmente se arranja edição tão perfeita.
Os outros, então (mais abaixo).
Russell faz um introdução interessante à filosofia, mas infelizmente centra-se sobretudo na epistemologia e metafísica: a filosofia, no entanto, é muito mais que isso. É um livro bom para o leigo, mas tem de ser complementado e as suas falhas corrigidas por mais uns quantos. Descartes não é tão estúpido como parece e, de qualquer forma, devemos-lhe o Matrix. Aristóteles esse sim: é tão estúpido como parece. Escreve um livro inteiro a tentar dizer como levar uma vida boa e mina-o de contradições do princípio ao fim (e eu sei do que estou a falar: tive uma cadeira este semestre só sobre este livro). Resoluções para este ano: ler Kant.
Os outros, então (mais abaixo).
Russell faz um introdução interessante à filosofia, mas infelizmente centra-se sobretudo na epistemologia e metafísica: a filosofia, no entanto, é muito mais que isso. É um livro bom para o leigo, mas tem de ser complementado e as suas falhas corrigidas por mais uns quantos. Descartes não é tão estúpido como parece e, de qualquer forma, devemos-lhe o Matrix. Aristóteles esse sim: é tão estúpido como parece. Escreve um livro inteiro a tentar dizer como levar uma vida boa e mina-o de contradições do princípio ao fim (e eu sei do que estou a falar: tive uma cadeira este semestre só sobre este livro). Resoluções para este ano: ler Kant.
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Outros livros de filosofia lidos, bastante bons dentro da sua área: Routledge Philosophy Guidebook to Descartes and the Meditations (Gary Hatfield), Hume's Enlightment Tract: The Unity and Purpose of An Enquiry Concerning Human Understanding (Stephen Buckle), Understanding Philosophy Of Science (James Ladyman).
O pior livro lido (desperdício de tempo e de uma boa premissa): Folk Tale, Fiction and Saga in the Homeric Epics (Rhys Carpenter).
Somatório: 24 livros (na íntegra, naturalmente).
Média: pouquito menos que um por semana.
Média: pouquito menos que um por semana.