segunda-feira, abril 03, 2006

Moleskines §2: Memória

Erguer um concerto é pesado, mas as coisas pesadas são também as mais ricas - porque muito, carregadas. Montar todo um espectáculo exige um involvimento profundo, uma dedicação de oferta, uma dádiva gratuita para quem assistirá. Erguer andaimes, desenrolar panos, varrer carpetes, ligar cabos, testar som, dispor, conveniente, a iluminação: tudo isso, hercúleo, se junta para fabricar, amálgama de alquimista, uma pedra filosofal de um concerto. Mas quando a obra nasce, esquece-se a mãe. E quantos não admiraram a criança!
Os ExploGen (www.explogenforum.web.pt) conseguiram mais uma vez levar a sua mensagem. Mas só se leva o que se vive - e foi uma prova de unidade toda a preparação deste espectáculo: e uma prova bem superada. As novas músicas envolveram todos, nomeadamente o finalíssimo e incrível - quem sabe, a melhor música de sempre até ao presente (estranho sempre que se resume a uma coisa que quando se afirma já é passada, pois quando digo presente, o que disse é sempre - num sempre este correcto - já passado)? - Happy Ever After. Obrigado: Luis, Adrian, Jota, Teclas!
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Três dias passados no campo. O mundo devia ser um campo grande - a cidade constituiu-se, inevitavelmente, como um retrocesso humano. No ermo de uma grande floresta, corria a cadela e o cãozinho pequenino atrás dela, por entre o laranjal e a erva verde orvalhada. Uma cerca separava duas propriedades. Um nevoeiro de trunda mediterrânea assolava o local. Um sol bocejava em intermitências de claridade. E, constantemente, como fundo, os pássaros, chilreando. Quem ali estava era outro eu, ou o meu outro eu ficou cá quando para lá parti. Ali, não havia responsabilidade senão o presente e o instante imediato e próximo. Trabalhei como poucas vezes trabalhei na vida: o meu trabalho tinha um sentido. Era constante, com a regularidade de um relógio, mas com toda a vontade e energia que faltam à máquina: e por isso o meu labor era humano - porque querido. E, porque assim, vigoroso, com a convicção com que se afirma, em credo, a filosofia de existência. Aquela terra merece bem o epíteto de centro do mundo: ali reside o que o homem, primitivamente, foi - ligado, umbigo, cordão umbilical, à Terra Mãe, ao Irmão Homem, ao Pai Céu.

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