O meu olhar desce aos postais em minhas mãos achados. «Que farei eu com estes postais?». Seria bom, Pessoa, se fosse tão fácil erguê-los e fazer-se assim tudo como um henrique: não é. Eu sei para que os comprei: para mentir. Tudo suaria normal (e o suor cheira mal), uma demonstração de afecto enquadrada nos limites correctos da relação. A vantagem de ter tantas regras é que tudo aparece certo porque ninguém pode decorar a constituição inteira e os comentários do canotilho juntos. O que é que eu faço aos postais agora (até são bonitos claro que são bonitos eu esmerei a sua escolha como um bouquet de flores). Dei talvez coisa de um euro por cada um. Têm a criatura estampada com aqueles olhos de wall-e e a cabeça de um tubarão-martelo. mas é querida.
a hipálage é o recurso de estilo mais utilizado pelos amantes.
o que é que eu faço a isto? já não servem para aquilo que os comprei ou eu já não sirvo para a mentira que pensei. Ninguém daria por ela e era uma coisa menor: passar indistinto o que tivera, na realidade, um cuidado enorme por detrás (como aqueles souvenirs aborrecidíssimos, que nos custam uma fortuna mas a gente vai a oferecê-los e as pessoas recebem tudo com um sorriso e agradecem muito o terem-se lembrado de mim foram tão queridos obrigado mas remomoram por dentro porcaria: isto nem dois chavos vale) - há souvenirs assim -. Um gesto entre duas pessoas são sempre dois gestos. Ninguém vê a mesma coisa (os olhos são outros). É possível esconder muitos significados sob um gesto como camadas de lama sobre a pele (os ogres são como as cebolas, burro). Deixa estar. O que é que eu faço a esta porcaria de postais? Já não são para ninguém.
Eu já não sou para ninguém também.
Vou ficar com eles: pode ser que nos demos bem.
O mais engraçado, é que para não mentir, a mentira ainda vai ser maior. Que imundície.
*Howl's Moving Heart é uma nova categoria interna do blogue que reúne desabafos explicitamente herméticos, com o objectivo declarado de o seu sujeito não ser, de todo, entendido pelo leitor. Existem porque têm de existir, porque a pressão do momento o declarou. São, na Varanda, novo objecto: um espelho, cujas costas opacas estão voltadas para os transeuntes e o lado espelhado para mim, num egoísmo de propósito. Porque nunca se deve confiar num espírito romântico, é possível que um dia chicoteie o espelho para o partir e os cacos chovam para a rua, com o sol a poli-los de luz pelo caminho. Depois não há aqui nada. O nome da secção é roubado alterado a Miyazaki. Howl, escondo-me aqui no meu túnel, sozinho, negro: Sophie partiu.