segunda-feira, setembro 17, 2007

Quoth The Raven §4: Caricaturas [i.e., Coisas Caricatas]

"Também há sorteios impessoais, de propósitos indefinidos: um decreta que se lance às águas do Eufrates uma safira de Taprobana; outro, que do alto de uma torre se solte uma ave; outro, que em cada século se retire (ou junte) um grão de areia dos inúmeros que há na praia. As consequências às vezes são terríveis."
Jorge Luis Borges, A Lotaria da Babilónia

PARA O LUIS

:
Artigo 67º
a) Aos professores universitários com direito ao uso de Borla e Capelo é vedado atravessarem ou permanecerem debaixo do Arco da Porta Férrea ao badalar da Meia-Noite no relógio da Torre da Universidade.
b) À infracção corresponde a sanção de unhas a aplicar por qualquer doutor da Praxe ou por veterano mesmo à futrica.

Artigo 75º
d) No uso de Capa e Batina, a capa e a batina no caso do sexo masculino e o casaco no caso do sexo feminino não podem estar separadas por uma distância superior a um braço estendido da pessoa a quem pertence.
e) No uso da capa sobre um ombro, esta tem de estar com a gola para a frente.

Artigo 156º
A protecção dada pelos doutores está sujeita às condições seguintes:
a) PUTO - Protege saltando para o dorso do "ANIMAL" e dizendo: NOS QUOQUE GENS SUMUS ET BENE CAVALGARE SABEMUS, ao mesmo tempo que se dirigem para debaixo de telha. [...]

Artigo 157º
A protecção dada pelos futricas está sujeita às condições seguintes:[...]
b) Ser o protector uma senhora que tenha a cabeça coberta por chapéu ou lenço e traga meias.
c) Ser o protector uma sopeira com avental.
[...] A protecção da alínea c) só será eficaz desde que o "animal" se coloque debaixo de avental.

Artigo 160º
b) Os abrigos das paragens dos autocarros, bem assim como todos os telheiros ou alpendres, não protegem. De igual modo os urinóis abertos não protegem, mas ao infractor só pode ser aplicada a sanção depois de ter urinado, ainda que não tenha sido esse o motivo que aí o levou.

Artigo 161º
Os "animais" que levarem consigo guitarra ou viola e demonstrarem, perante a trupe que sabem tocar, ficam protegidos, salvo nos dias em que só há protecção de sangue. Esta protecção tem o nome de protecção do instrumento.

Artigo 162º
Todos os que estiverem fortemente embriagados ficam auto-protegidos, ainda que só haja protecção de sangue. Esta protecção tem o nome de protecção do "Deus Baco".

Da Tourada Ao Lente
Artigo 223º
Constitui "tourada ao lente" a recepção feita pela Academia ao professor universitário, doutorado ou não, nacional ou estrangeiro, no momento em que este se disponha a dar em Coimbra a sua primeira aula teórica a estudantes universitários.

Artigo 224º
Haverá uma "Comissão de Recepção" constituída por cinco caloiros que tomará assento na Mesa da Presidência.

Artigo 225º
O lente toureado, no decurso da "cerimónia" tem a categoria de "animal", como tal devendo ser tratado.

Artigo 226º
À Comissão de Recepção compete elaborar um tema, em latim macarrónico, para a tese que o "animal" irá defender perante o auditório, bem assim como "brindá-lo" com um farto pasto de erva.

Artigo 227º
a) A cerimónia considerar-se-á extinta quando um fitado apadrinhar o toureado, colocando-lhe a pasta sobre a cabeça.
b) Não tendo havido ainda nenhuma imposição de insígnias ou não estando nenhum candeeiro fitado presente, qualquer veterano na Praxe o poderá apadrinhar, cobrindo-lhe a cabeça com uma ponta da capa, que deverá ter sobre os ombros.
c) Se o toureado não estiver a "dar gozo", o apadrinhamento não poderá fazer-se antes de decorridos 15 minutos. Não obstante, se algum doutor o fizer, este considerar-se-á válido.

Artigo 229º
Depois do apadrinhamento todos os doutores presentes devem felicitar o professor, tendo já em atenção a sua verdadeira categoria social e posição dentro da Universidade.

Artigo 261º
a) Os que usarem Pasta da Praxe devem trazer dentro dela, pelo menos um livro de estudo, uma sebenta ou um caderno de apontamentos ou, na falta destes, um papel com o mínimo de cinco palavras escritas pelo seu portador.

Artigo 268º
No grelo pode escrever-se o dia em que este se foi buscar, o dia da latada de imposição e um ponto de interrogação.

Artigo 275º
Aos candeeiros levando consigo as suas insígnias pessoais é vedado transportarem simultaneamente volumes de grandes dimensões.

Artigo 286º
Não é permitido bater palmas na Sala dos Capelos.

Excertos soltos do Código da Praxe 2007


2 comentários:

Anónimo disse...

Domingo, Outubro 14, 2007
É tempo de praxe


Todos os anos por esta época as universidades portuguesas enchem-se de estudantes que fazem coisas ridículas sob orientação dos seus colegas mais velhos. Esta semana cruzei-me em Aveiro com um longa bicha de caloiros que vinham da ria acartando nas mãos, debaixo do sol, sacos plásticos cheios de lodo. Presumo que a intenção fosse levar aquela porcaria para a Universidade. Em Coimbra, ao pé da escadaria monumental, passei por um estudante com o traje académico que era escoltado ao caminhar por quatro colegas recém-chegados à capital da cultura universitária que o rodeavam de braços estendidos no ar agarrando a capa dele sobre a sua insigne cabeça para que esta não apanhasse sol de mais. Suponho que teria medo que o pequeno cérebro derretesse.
Chamam a isto a praxe, e a justificação dada para que os colegas mais novos se tenham de lhe submeter é a necessidade de “integração”. Só há integração para quem não fizer ondas e aceitar com humildade os tratos de polé. Os caloiros são mandados fazer figura de urso para se poderem integrar, com a promessa de que um dia também poderão ser superiores prepotentes e terão enfim o direito de mandar uma nova geração de inferiores (caloiros/lamas/lodos) fazer por sua vez figuras tristes. É a apologia da humilhação como estratégia pedagógica.
Dizem os praxistas que é bom como aprendizagem para a vida, como preparação para o mundo. Aprende-se assim a respeitar a hierarquia, preparam-se os jovens para um modelo de relações profissionais baseado não no respeito mútuo, mas nas pequeninas e mesquinhas maneiras quotidianas de lembrar quem é o superior. Um modelo onde pouco conta o mérito, onde as ideias novas ou diferentes são malvistas, no qual importante é saber lamber as botas de algum cacique. Aprende-se a obedecer sem questionar. Para que se perpetue uma cultura que promove o medo de ser o destravado da língua que comete a heresia de dizer que o rei vai nu. E que é saneado pela ousadia. A praxe é um reflexo do triste país que temos, portugalzinho no seu pior.

Publicada por João Paulo Esperança em 11:52 PM 0
in Hanoin Oin-Oin

AdEternum disse...

Apesar da visibilidade que dão às coisas negativas sucedidas em praxe e do mau comportamento de certos praxistas, ainda há faculdades e cursos que nos fazem orgulhar. Praxe não se baseia em praxar caloiros. Praxe é muitos mais do que isso. É magia. Magia essa conhecida por quem tem a sorte de entrar em casas que façam ver o que é verdadeiramente esta tradição. Não é ir para discotecas com caloiros, nem ficar em coma alcoólico ou demonstrar prepotência. Praxe é humildade. É saber ouvir um fado, saber apreciar uma paisagem e saber que não trocaríamos quem temos ao nosso lado por nada deste mundo.

DVRA PRAXIS SED PRAXIS