sexta-feira, julho 13, 2007

Primeira Curtada §3: Percepção

Quando jostein gaarder me deu duas chapadas para me acordar da cama da unidade do ser, a primeira teoria que desenvolvi nu e pequeno no laboratório branco do mundo foi descobrir o canto preto debaixo do tapete onde alguém despejou o lixo. Redigi então em microscópio um volume seminal intitulado A Teoria dos Opostos, assaz orgulhoso de ser complexo e total. Hoje percebo como, na realidade, eu ter perdido a minha unidade e terem-me criado alteres no ego não foi mais do que uma consequência da primeira dissolução da unidade do mundo que eu empreendi quando me revelei a existência dos antónimos de todas as coisas vivas e andantes. Aprendicebi-me hoje que, na abundância daqueles que percorrem o L&M, um, contudo, me houvera escapado, pelo menos na sua real forma. Mas, que vos parece? Se um homem tiver cem ovelhas e uma delas se tresmalhar, não deixará as noventa e nove no monte, para ir à procura da tresmalhada? No fundo, em tudo quanto tenho mais pensado do que escrito (naquilo em que melhor se entende a oposição entre a criança e o adulto, porquanto a primeira faz mais do que pensa), vejo agora, com nitidez, que a oposição base tem sido entre as pessoas e a arte - esta última apenas o disfemismo para o meu sonho. Ah!, que eu entendo finalmente a Verdade! Bendita maiêutica da escrita! Só no fim descubrimos o caminho que trilhámos, porquanto quando o percorríamos nem sabíamos ser um caminho. Compreendo por fim a divisão de alma que me assombrou o ano inteiro, ainda não de toda resolvida, porém, agonizante e só insistindo em tardar na morte para poder ditar-me o seu testamento. Este foi o tempo longo em que dentro de mim se digladiaram os dois titãs até ao triunfo do justo. Este é o tempo em que eles inda se combatem - é esta a encruzilhada que eu não quero resolver. No outro dia, fui assaltado de um violento de desejo (como daqueles que nos comem de tomar uma mulher) de largar tudo, de abandonar todos, e um mês resguardar-me da terra no ponto mais perto do céu e na montanha redigir - e no outro dia foi hoje outra vez! E, contudo, hoje ainda eu sentei-me num café e tinha a mesa vazia com o fantasma imaginado - porque era só uma imagem fabricada pelo meu desejo - da companhia que me faltou e com quem eu não partilhei a tosta mista, que, afinal, se mostrou una. Lembro-me de há um mês ter descoberto que não era tímido, mas tão somente sozinho: e fiquei com tanto medo de mim que me escondi num quarto escuro em hikikomori. Apaguei a luz - e nunca mais a voltei a acender. E um dia, os que me queriam bem subiram as persianas - e o sol entrou. De noite, contudo, a luz continua desligada - e a oscilação entre a noite e o dia não é mais do que uma perífrase para a dúvida que me atravessa, sem que eu escolha o lado certo da antinomia, mesmo depois de o ter escolhido. Sei que se escolher a luz ficarei cego (o sol ofusca e cega galileu), mas, porém, de que adianta ver a quem só calcorre os passeios de noite? "Marta, Marta, andas inquieta e perturbada com muitas coisas; mas uma só é necessária. Maria escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada." Deus, qual é a melhor parte?!

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