ramalhete, s.m. (1679 cf. AVSerm*) 1 pequeno ramo de flores reunidas como arranjo artístico; buquê, ramilhete 2 conjunto de objectos selectos e de especial valor.
Entrada (adaptada) do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, V
*A obscura indicação refere-se ao primeiro registo conhecido do termo. As coisas belas, certamente, foram estreadas nas grandes línguas e embaladas nas boas mãos. A palavra, diz a certidão, nasceu virgem no tomo 1 dos Sermoens do Pe. Antonio Vieira, em Lisboa, 1679. Séculos mais tarde, Eça requesitou-a temporariamente para dar nome a uma casa que fechou no final do romance, devolvendo depois a palavra nos termos do contrato.
No outro dia, saí à rua (era início do mês, fui fazer as compras). Liguei o cigarro e arranjei a bicicleta. Pedalei de chapéu até ao mercado frente à catedral. Apalpei as frutas como a uma mulher e alegrei-me da sua maturidade. Pedi à senhora de lenço uns dois quilos e fiquei contente de estar mascardo de cesário, a amar o campo preso na cidade. Noutras bancas completei-me. Montei os sacos no velocípede e rumei a casa. Foi quando reparei na varanda. Parecia (e porque hoje tudo o que parece é mesmo que não o seja e a realidade é o gigantesco mapa de baudrillard que usurpou o mundo) pobre, sem decoração de maior senão a solitária rosa que herdei do monstro, depois que ele casou bela. Corri à florista que habitava a esquina ao lado, largando a bicicleta e os haveres. Ela tinha coisa de vinte e anos e um namorado. Os cabelos castanhos, volumosos, descansavam-lhe cansados do peso sobre os ombros e o mel dos olhos batia certo com o vermelho dos lábios. Pedi-lhe um par de flores, ao seu gosto e agrado. Ela deu-me uma mancheia de cravos, ainda que eu não tivesse espingardas (era, isso não nego, abril, todavia). Voltei a casa. Subi as escadas, procurei no bolso o espanta-espíritos do meu chaveiro e entrei. Poisei as coisas na cozinha e embalei nos braços as flores. Desarrumei do canto da varanda uns vasos velhos, montei-os nas grades e plantei lá os ramalhetes, alegre de alegrar o púlpito.
Da curiosidade e do cuidado urdi os meus ramalhetes, selecções de objectos queridos, e com afecto os exibi na Varanda, procurando a sua maior beleza. A minha superstição é a cabala e, portanto, resolvi por bem que não devia exceder em três o número de flores, e organizei-as em trilogias (algumas adaptadas ao cinema). Eram colecções de coincidências. Diverti-me naquele hobby, e ponderei ser jardineiro como o princepezinho (para todo o jardim ser valioso). Quando a vizinha inferior me confessou a graça da ideia e do gosto, confirmei o projecto. Disse-me serem as flores das suas coisas favoritas: e daí roubei o mote para o ramalhete 1.
Nietzsche foi sábio em muitas coisas e quando disse que tudo regressava, plagiava sem querer o eclesiastes desiludido (1,9). Dawkins, que sempre se julgou um capitão américa da ciência, chamou memes às coisas recriadas e a creative commons tratou de simplificar o processo. Algum dia descobriremos que nunca fizémos nada em séculos senão reescrever a ilíada, com menos sucesso que pierre menard o dom quixote (Ficções, Borges). Tudo se repete - e deus!, há sempre tanta coisa nova porque o homem é mortal! Benção de morrer! Se eu soubesse das coisas que existiram quando platão vivia, o mundo seria uma monotonia insonsa: graças a deus, nesse tempo eu era um cão, muito amigo de pitágoras depois de diógenes me ter expulso do meu canil e ter usurpado o meu nome.
Quando o homem inventou a metáfora, foi porque uma criança, falando à mãe, se enganou (disse a verdade), e em vez de dizer arte disse mar (por isso é que, no fundo de mim, eu sei que quero ser marinheiro e sei que isso é a mesma coisa que escrever). O mar espelha o céu, mas não é o céu; o mar engole o sol, mas liberta a lua; o mar é límpido, mas é profundo (desembrulhem as alegorias). Descarregando-se continuamente sobre o areal, as suas ondas rebentam sistematicamente na costa (são assaz teimosas): nunca porém, uma foi igual à anterior, mau grado a semelhança falsa. Assim na arte: a mesma matéria renasce em substâncias diferentes, formas estranhas às próprias mães, únicas. Um tesouro de família é sempre uma coisa diferente conforme a geração que o vela.
Em 1959, com música de Richard Rogers e letras de Oscar Hammerstein II, estreou-se na Broadway The Sound Of Music, musical que alcançaria fama mundial com a adaptação cinematográfica por Robert Wise em 1965 para a 20th Century Fox, com Julie Andrews. Em Portugal, ficou conhecido como Música no Coração. O filme gozou de enorme sucesso e monotonamente continua a ser repetido ano-sim, ano-não na estação pública. Filme de embalar infâncias, a idade, porém, torna-o num ícone da pior lamechiche que Hollywood pode oferecer. A uma certa altura, cansamo-nos de ser felizes: julgo ser um movimento natural do espírito. As canções, todavia, escondem-se algures nas memórias e persistem na guerrilha. Uma, particularmente, impôs-se: My Favorite Things (com favorite escrito à americana). Relembro-a com a timidez de me deixar levar [instruções: clicar sobre as imagens para aceder aos vídeos].
Confesso que não sou amigo de musicais. Guardo respeito para com Chicago (2002), de Rob Marschall, e, reconheço, um dos filmes por que mais espero actualmente é Sweeney Todd: The Demon Barber of Fleet Street, musical de Tim Burton com Johnny Depp (a minha tia, pelo contrário, quase que apenas gosta de musicais). Sempre tive tendência a ver no musical uma variação do género cómico, do qual jamais fui apreciador, sendo em número restrito as comédias que aceito no meu panteão cinéfilo. Não é de estranhar, pois, que o meu musical favorito seja precisamente o único anti-musical sério de que tenho conhecimento: Dancer In The Dark, do brilhantíssimo Lars von Trier. Esse filme, que arrebatou a Palma de Ouro em 2000 e chegou a ser descrito por Björk, a actriz principal, como "pornografia emocional", é a mais perfeita descontrução dos clichés dos musicais, estética-, musical- e narrativamente (aqui faço um esforço, como um pequeno rapaz a quem a mãe pede que aguente a sua vontade de ir à casa de banho, para não me desdobrar em copiosos elogios e comentários ao filme). Para a sátira ao género ser ainda mais perfeita, Von Trier tem o cuidado de evocar constantemente, como sombra, o The Sound Of Music: Selma, a protagonista, começa o filme num ensaio como Maria. Já na segunda metade do filme, relembrando-se disso, canta [perdoem as legendas italianas]:
[marquei um dia em que escreveria um post dedicado a amanda, vocalista dos Dresden Dolls. no dia em que tomei a decisão, não coloquei uma cruz no calendário e com isso esqueci a data de entrega do trabalho. o professor perdoou-me para inveja dos meus colegas]. Amanda Palmer compôs um dia My Favorite Things. Contente, ensaiou-a no piano sucessivas vezes, até estar do seu agrado total. Satisfeita, chamou Brian à casa e pediu-lhe a opinião da peça. Sem a querer magoar, Brian não disse. Quando ele saiu, ela caiu-se sobre a cama e ligou a Regina. Confessou-lhe que pensava mesmo já incluir a música no Who Killed Amanda Palmer? e estava confiante que o produtor a ia apoiar. Regina disse-lhe que só na noite seguinte podia passar pelo apartamento dela e combinaram então para as 21 do dia depois. Desligado o telefone, Amanda deixou-se adormecer. Acordou com o sol a martelar as janelas. Despiu-se e meteu-se no duche. A água sobre o rosto despertou-a: quando abriu os olhos, lançou um grito. Entristecida, retirou-se do polibã. Vestiu as meias p&b, e começou a maquilhagem. Desenhou as sobrancelhas e começou a pintar os olhos. Subitamente, interrompeu: as lágrimas rolavam-lhe pela face, esborratando tudo pierrot. Com as mãos cobriu o rosto e deixou o corpo nu. Tinha-se esquecido , no entusiasmo de a descobrir, que a música já existia. Ligou a Regina, cancelando o encontro. Procurou na estante um malboro antigo e acendeu-o para o roer. Da noite anterior ainda tinha sobrado perto do lava-loiças um pouco numa garrafa: completou-a. Durante o dia, recusou-se a tocar piano e entreteve-se a ler dorothy parker. Quando a lua poisou pela janela no piano, arriscou a melodia: achou-a intocada e bonita, comprovando que a beleza é um valor superior à verdade. Decidiu mesmo assim admitir nos concertos que a música não era dela: todos, de resto, a reconheceriam, o próprio Brian é que não devia ter tido a coragem de lho dizer. Maldisse elogiando Julie Andrews e tocou:
Da curiosidade e do cuidado urdi os meus ramalhetes, selecções de objectos queridos, e com afecto os exibi na Varanda, procurando a sua maior beleza. A minha superstição é a cabala e, portanto, resolvi por bem que não devia exceder em três o número de flores, e organizei-as em trilogias (algumas adaptadas ao cinema). Eram colecções de coincidências. Diverti-me naquele hobby, e ponderei ser jardineiro como o princepezinho (para todo o jardim ser valioso). Quando a vizinha inferior me confessou a graça da ideia e do gosto, confirmei o projecto. Disse-me serem as flores das suas coisas favoritas: e daí roubei o mote para o ramalhete 1.
Nietzsche foi sábio em muitas coisas e quando disse que tudo regressava, plagiava sem querer o eclesiastes desiludido (1,9). Dawkins, que sempre se julgou um capitão américa da ciência, chamou memes às coisas recriadas e a creative commons tratou de simplificar o processo. Algum dia descobriremos que nunca fizémos nada em séculos senão reescrever a ilíada, com menos sucesso que pierre menard o dom quixote (Ficções, Borges). Tudo se repete - e deus!, há sempre tanta coisa nova porque o homem é mortal! Benção de morrer! Se eu soubesse das coisas que existiram quando platão vivia, o mundo seria uma monotonia insonsa: graças a deus, nesse tempo eu era um cão, muito amigo de pitágoras depois de diógenes me ter expulso do meu canil e ter usurpado o meu nome.
Quando o homem inventou a metáfora, foi porque uma criança, falando à mãe, se enganou (disse a verdade), e em vez de dizer arte disse mar (por isso é que, no fundo de mim, eu sei que quero ser marinheiro e sei que isso é a mesma coisa que escrever). O mar espelha o céu, mas não é o céu; o mar engole o sol, mas liberta a lua; o mar é límpido, mas é profundo (desembrulhem as alegorias). Descarregando-se continuamente sobre o areal, as suas ondas rebentam sistematicamente na costa (são assaz teimosas): nunca porém, uma foi igual à anterior, mau grado a semelhança falsa. Assim na arte: a mesma matéria renasce em substâncias diferentes, formas estranhas às próprias mães, únicas. Um tesouro de família é sempre uma coisa diferente conforme a geração que o vela.
Em 1959, com música de Richard Rogers e letras de Oscar Hammerstein II, estreou-se na Broadway The Sound Of Music, musical que alcançaria fama mundial com a adaptação cinematográfica por Robert Wise em 1965 para a 20th Century Fox, com Julie Andrews. Em Portugal, ficou conhecido como Música no Coração. O filme gozou de enorme sucesso e monotonamente continua a ser repetido ano-sim, ano-não na estação pública. Filme de embalar infâncias, a idade, porém, torna-o num ícone da pior lamechiche que Hollywood pode oferecer. A uma certa altura, cansamo-nos de ser felizes: julgo ser um movimento natural do espírito. As canções, todavia, escondem-se algures nas memórias e persistem na guerrilha. Uma, particularmente, impôs-se: My Favorite Things (com favorite escrito à americana). Relembro-a com a timidez de me deixar levar [instruções: clicar sobre as imagens para aceder aos vídeos].
Confesso que não sou amigo de musicais. Guardo respeito para com Chicago (2002), de Rob Marschall, e, reconheço, um dos filmes por que mais espero actualmente é Sweeney Todd: The Demon Barber of Fleet Street, musical de Tim Burton com Johnny Depp (a minha tia, pelo contrário, quase que apenas gosta de musicais). Sempre tive tendência a ver no musical uma variação do género cómico, do qual jamais fui apreciador, sendo em número restrito as comédias que aceito no meu panteão cinéfilo. Não é de estranhar, pois, que o meu musical favorito seja precisamente o único anti-musical sério de que tenho conhecimento: Dancer In The Dark, do brilhantíssimo Lars von Trier. Esse filme, que arrebatou a Palma de Ouro em 2000 e chegou a ser descrito por Björk, a actriz principal, como "pornografia emocional", é a mais perfeita descontrução dos clichés dos musicais, estética-, musical- e narrativamente (aqui faço um esforço, como um pequeno rapaz a quem a mãe pede que aguente a sua vontade de ir à casa de banho, para não me desdobrar em copiosos elogios e comentários ao filme). Para a sátira ao género ser ainda mais perfeita, Von Trier tem o cuidado de evocar constantemente, como sombra, o The Sound Of Music: Selma, a protagonista, começa o filme num ensaio como Maria. Já na segunda metade do filme, relembrando-se disso, canta [perdoem as legendas italianas]:
[marquei um dia em que escreveria um post dedicado a amanda, vocalista dos Dresden Dolls. no dia em que tomei a decisão, não coloquei uma cruz no calendário e com isso esqueci a data de entrega do trabalho. o professor perdoou-me para inveja dos meus colegas]. Amanda Palmer compôs um dia My Favorite Things. Contente, ensaiou-a no piano sucessivas vezes, até estar do seu agrado total. Satisfeita, chamou Brian à casa e pediu-lhe a opinião da peça. Sem a querer magoar, Brian não disse. Quando ele saiu, ela caiu-se sobre a cama e ligou a Regina. Confessou-lhe que pensava mesmo já incluir a música no Who Killed Amanda Palmer? e estava confiante que o produtor a ia apoiar. Regina disse-lhe que só na noite seguinte podia passar pelo apartamento dela e combinaram então para as 21 do dia depois. Desligado o telefone, Amanda deixou-se adormecer. Acordou com o sol a martelar as janelas. Despiu-se e meteu-se no duche. A água sobre o rosto despertou-a: quando abriu os olhos, lançou um grito. Entristecida, retirou-se do polibã. Vestiu as meias p&b, e começou a maquilhagem. Desenhou as sobrancelhas e começou a pintar os olhos. Subitamente, interrompeu: as lágrimas rolavam-lhe pela face, esborratando tudo pierrot. Com as mãos cobriu o rosto e deixou o corpo nu. Tinha-se esquecido , no entusiasmo de a descobrir, que a música já existia. Ligou a Regina, cancelando o encontro. Procurou na estante um malboro antigo e acendeu-o para o roer. Da noite anterior ainda tinha sobrado perto do lava-loiças um pouco numa garrafa: completou-a. Durante o dia, recusou-se a tocar piano e entreteve-se a ler dorothy parker. Quando a lua poisou pela janela no piano, arriscou a melodia: achou-a intocada e bonita, comprovando que a beleza é um valor superior à verdade. Decidiu mesmo assim admitir nos concertos que a música não era dela: todos, de resto, a reconheceriam, o próprio Brian é que não devia ter tido a coragem de lho dizer. Maldisse elogiando Julie Andrews e tocou:
1 comentário:
ok...vais ter de me explicar este post.beijo
bea
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