Ontem à noite, com um grupo de amigos, tive a oportunidade de, caseiramente, na casa de um, ver o filme
Awakenings, em português, acertadamente traduzido (coisa raríssima!) por
Despertares, nomeado para três óscares, entre eles o de Melhor Filme e Melhor Actor (Robert De Niro), no ano de 1990.
O filme narra a história do Dr. Sayer (Robin Williams) que, em chegado a um hospital de doenças crónicas, em vez de se conformar com a situação inumana dos pacientes, crente de que há vidas naquelas verdadeiras estátuas paralisadas que são os doentes, começa a investigar os seus casos, apaixonando-se pelo de Leonard Lowe (De Niro), que Sayer consegue despertar através de uma nova droga, reservada a doentes de Parkinson. Porém,
«tudo tem a efemeridade de um arco-íris!», como escrevia Ribeiro - e, assim, o drama.
Chorei - chovia nesse dia: fora e em mim entristecia.
Despertares é dos mais comoventes filmes que alguma vez vi, em grande medida pela assustadora interpretação de De Niro. É um filme terrível, tanto mais quando pensamos que se inspira num caso real - e, ai quão certo!, é tão mais perto da imaginação a realidade!
No fundo, citando o filme, num diálogo final entre Sayer e Eleanor:
- How kind is it to give life, only to take it away?- It's given to and taken away from all of us. Este comentário recordou-me
A Rapariga das Laranjas de Gaarder, que, na sua habitual trama filosófica, nos indagava exactamente sobre esta problemática, alargada ao contexto da nossa própria vida. O livro narrava a história de um rapaz que descobre uma carta do pai - morrido há muito, na sua infância - escrita para ele, para a ler quando fosse mais velho. A pergunta derradeira com que o pai o liberta é se, de facto, valeu a pena tê-lo posto nesta vida, que ele comparava à Sonata ao Luar de Beethoven: o primeiro andamento (a não-existência), tenebroso e soturno; o segundo andamento (a vida), curto e alegre; o terceiro (a morte), fulminante, raivoso e rápido. Efectivamente,
Despertares é só uma metáfora profunda da nossa própria existência, que é, também ela um despertar, efémero somente.
Leonard queixava-se, a um dado momento do filme, da pouca importância que as pessoas dão à sua vida, de como a desperdiçam em futilidades, sem dela saborearem o essencial -
«the simplest things», essa sua confissão desesperada. É natural que, tal John do
Admirável Mundo Novo, também ele, a um certo momento da história, se revolte contra aquela sociedade - ela sim, paralisada, doente crónica de uma maladia sem diagnóstico senão o dos loucos e dos manicómios.
Dar esperança (
«Hope, it is the quintessential human delusion, simultaneously the source of your greatest strength, and your greatest weakness.», nessa magnífica definição do Arquitecto no segundo
Matrix) para logo a seguir a tirar - será crueldade?, sadismo? Mas e não a dar de todo? E não é a esperança a benção de Pandora, a vozinha fina e frágil, como uma ânfora que se pode partir só porque vai, varina, na cabeça de uma menina; essa voz que, no fundo da caixa de Pandora, depois de libertados todos os males, requesitou autorização para sair, ela também, para abundantemente - ainda que falsamente, quiçá - consolar os homens? Saber que perderemos tudo, que nada ficará porque
«És pó e em pó te transformarás», que, em última análise, o Universo se encarregará de extinguir a nossa raça...
«Quando é que despertarei de estar acordado?» (Pessoa,
Magnificat)