segunda-feira, março 20, 2006

And Viddy Films I Would §2: "Sylvia", de Christine Jeffs (2003), e "Daddy" [num dia do pai]

Passou ontem na 2: o filme Sylvia, com Gwyneth Paltrow no papel de Sylvia Plath e Daniel Craig (o Bond-para-ser) como Edward Hughes, o marido da poetisa, ele mesmo poeta também. Quando o filme saiu, em 2003, fiquei com curiosidade em vê-lo, mas esta foi só mais uma das películas que estão uma semana num cinema de esquina em Lisboa e decapitadas são na capital - esquecidas ao resto de Portugal. Nunca ouvi falar de uma saída em DVD. Foi, por isso, com boas perspectivas que me sentei no sofá para, noite adentro, seguir a conturbada relação dos dois protagonistas.
Paltrow oferece uma interpretação poderosa, com uma maleabilidade de rosto impressionante: não raro a câmara pára nele, porque ela detém o dom de concentrar, nas rugas, nas expressões, na fronte, nos olhos, todo o sentimento de angústia de Sylvia. As frequentes cenas, sem palavra, em que, esperando pelo marido, Sylvia, num quarto escuro, numa fotografia impressionante em matizes azuis-escuras, sozinha, sofre, sugam-nos para o interior daquele espírito que teve o fado de ser infeliz. Craig também desempenha com primor o seu papel, mas é, face a Gwyneth, secundário - ainda que essencial, como motor da acção.
A impressionante vida de Sylvia, na forma como tenta conciliar família, poesia e carreira profissional, perturba. Com uma grave doença mental (esteve internada na sua adolescência, apesar de isso não ser mostrado no filme - faz recordar, quiçá, a situação da neo-zelandesa, poetisa igualmente, Janet Frame, mostrada em Um Anjo À Minha Mesa), com o trauma da morte prematura do pai (tinha ela oito anos), amando incrivelmente o marido como poucas mulheres há que o tenham feito, acabou por, César!, se ver traída pelo Brutus!: Edward! Teve, ainda assim, dois filhos, mas o adultério do esposo levou à inevitável solitária separação - que nunca mais reatará laços, como um embrulho de prenda rasgado: mas o presente, era a morte.
Como ela começa no seu poema Lady Lazarus: «I have done it again./One year in every ten», assim, depois de se ter tentado suicidar com dez anos, repetido, fracassando, a morte aos vinte, por fim, com trinta anos, num dia 11 de Fevereiro de 1963, pôs um término à sua vida, de uma das formas mais inéditas de suicídio. Os preparativos, a morte e o após são particularmente tocantes e bem conseguidos, em grande parte pela banda sonora, de qualidade magna ao longo de toda a fita - e verdadeiramente recomendável, sabendo transferir da tela para quem vê toda a tristeza de um dia de Outono/Inverno que foi a vida de Sylvia.
Um dos pormenores mais deliciosos do filme é a simbologia da árvore inicial e da final, como só após a morte, Primavera. Mais que não fosse, despertei para esta nova poetisa e as suas composições, que me estão, do pouco que, para já, pude ler, a cativar, como raposa o Princepezinho. Aos que têm a bíblia da poesia, Rosa do Mundo - 2001 Poemas Para O Futuro, vão à página 1716 e podem provar, com um dedo maroto, a nata do bolo de casamento. Abaixo, um dos que figuram no filme, um dos mais conhecidos dela e, estranhamente, com um título apropriado à circunstância - e a aparência ilude.

Daddy

You do not do, you do not do
Any more, black shoe
In which I have lived like a foot
For thirty years, poor and white,
Barely daring to breathe or Achoo.

Daddy, I have had to kill you.
You died before I had time--
Marble-heavy, a bag full of God,

Ghastly statue with one gray toe
Big as a Frisco seal


And a head in the freakish Atlantic
Where it pours bean green over blue
In the waters off beautiful Nauset.
I used to pray to recover you.
Ach, du.

In the German tongue, in the Polish town
Scraped flat by the roller

Of wars, wars, wars.
But the name of the town is common.
My Polock friend

Says there are a dozen or two.

So I never could tell where you
Put your foot, your root,
I never could talk to you.
The tongue stuck in my jaw.


It stuck in a barb wire snare.
Ich, ich, ich, ich,
I could hardly speak.
I thought every German was you.
And the language obscene

An engine, an engine

Chuffing me off like a Jew.
A Jew to Dachau, Auschwitz, Belsen.
I began to talk like a Jew.
I think I may well be a Jew.


The snows of the Tyrol, the clear beer of Vienna

Are not very pure or true.
With my gipsy ancestress and my weird luck
And my Taroc pack and my Taroc pack

I may be a bit of a Jew.

I have always been scared of you,
With your Luftwaffe, your gobbledygoo.
And your neat mustache
And your Aryan eye, bright blue.
Panzer-man, panzer-man, O You--


Not God but a swastika
So black no sky could squeak through.
Every woman adores a Fascist,

The boot in the face, the brute
Brute heart of a brute like you.

You stand at the blackboard, daddy,
In the picture I have of you,

A cleft in your chin instead of your foot
But no less a devil for that, no not

Any less the black man who

Bit my pretty red heart in two.
I was ten when they buried you.
At twenty I tried to die
And get back, back, back to you.
I thought even the bones would do.

But they pulled me out of the sack,
And they stuck me together with glue.

And then I knew what to do.
I made a model of you,
A man in black with a Meinkampf look


And a love of the rack and the screw.
And I said I do, I do.
So daddy, I'm finally through.
The black telephone's off at the root,
The voices just can't worm through.


If I've killed one man, I've killed two--
The vampire who said he was you
And drank my blood for a year,

Seven years, if you want to know.
Daddy, you can lie back now.

There's a stake in your fat black heart
And the villagers never liked you.
They are dancing and stamping on you.
They always knew it was you.
Daddy, daddy, you bastard, I'm through.


12 October 1962


«Even amidst fierce flames the golden lotus can be planted.»
(Epitáfio de Plath)

Sem comentários: