O dia de ontem foi exemplarmente simples; o de hoje, picarescamente complexo. Ontem de manhã fui com o George ao Museu da Cidade. A entrada era gratuita (porque esse é o objectivo de toda a cultura – por isso sou tão liberal no que diz respeito aos downloads ditos ilegais). O museu, dividido em três andares, mesmo junto ao Wills Memorial, a Cabra de Bristol, é curioso pela variedade de colecções que reúne, como um caldeirão de bruxa, com os mais diferentes e extravagantes ingredientes. Junto à modesta, mas muito bem explorada secção do Egipto (museu que se preze tem múmias), uma galeria com animais empalados. No piso de cima, arte vitoriana e porcelana chinesa (as crianças têm em baixo uma secção inteira com dinossauros, incluindo um fémur gigante da Lourinhã). Os ingleses têm coisas absolutamente fascinantes e era já tempo enfim de tropeçar no pudor inglês: na secção egípcia, uma caixa negra, com instruções por cima: “aqui encontram-se as ossadas de um egípcio. Lembra-te de que se trata de um ser humano. Se quiseres vê-las, carrega no botão. Achas que elas deviam ser expostas? Dá a tua opinião.” Na figueira, quando era miúdo, divertia-me a ir ao museu ao lado de casa dos meus avós à secção do paleolítico ver os mortos e brincar aos hamlets com as caveiras – imagino que uma criança inglesa nunca vá ter essas memórias de infância (mesmo se shakespeare que escreveu o príncipe da dinamarca nasceu aqui, mas pronto: dá deus nozes a quem não tem dentes). De tarde fui descobrir um novo parque, mesmo junto à Uni, e passei a tarde deitado na relva com as formigas a ler Os Filhos do Sol à sombra. Boa peça, a lembrar-me, no seu ritmo e diálogos filosóficos, Tarkovsky (isto é tudo gente do mesmo país, afinal).
Hoje, pelo contrário, a coisa começou toda torta como uma torre de pisa. O senhorio avisou-me de que, afinal, já não tinha quarto. O rapaz que estava lá pretendia continuar e, como o meu contrato podia ser quebrado sem aviso prévio, eles despejavam-me antes sequer de eu me ter mudado para lá (a esta prática chama o povo pôr a carroça à frente dos bois). Subitamente, eis-me de novo na estaca zero (que raio de expressão estúpida como uma galinha). O senhorio, contudo, foi gentil suficiente para me apontar uma casa na mesma rua, mais à frente. Veni, vidi, emi. Amanhã, afinal, sempre me mudo, só que não para onde pensei. Vou ter jantares vegetarianos incluídos na renda e vou ser mais saudável a andar vinte e seis minutos todos os dias até à Uni. Vim passar a noite a casa de um casal que o BISC (o Bristol International Student Centre, aquele dos jantares gratuitos) arranjou para mim: o YHA já estava cheio, bem como os Backpackers, e não tinha onde dormir. Muito british, foram-se deitar às dez e meia (e é meia-noite e eu continuo ao computador). Entretanto, fui à biblioteca devolver Os Filhos do Sol: comigo agora, senhoras e senhores, Um Herói do Nosso Tempo, de Lermontov (a si, leitor, aconselho em língua tuga a boa tradução dos Guerra, esse ainda por condecorar pelo PR casal que muitos serviços tem prestado a favor do enriquecimento cultural das mentes lusitanas). Aqui o escriba vai usar a tradução do Senhor Nabokov, o pai da amada Lolita (e a rapariga italiana ontem era muito bonita e estudava política).
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- ₤5 (carregamento telemóvel); - ₤2.73 (detergente em pó); - ₤1.30 (autocarro); - ₤3 (máquina + secagem); - ₤2.30 (autocarro); - ₤3.29 (almoço); - ₤7 (táxi); - ₤2.30 (autocarro); - ₤3.45 (jantar); - ₤7 (táxi)ontem: -₤4.5 (almoço – a dever ao George); -₤0.4 (chocolate); - ₤2 (jantar)
/gravura: Wills Memorial, com o Museu da Cidade, ao lado/
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