domingo, setembro 21, 2008

Bristol Memoirs §8: 21 do Idem - Fables & Reflexions (do Verbo «Reflectir»)

Cuentan que hace mucho mucho tiempo (desde O Labirinto do Fauno que esse é, para mim, o começo próprio de toda a estória), quando ainda não existiam egípcios e tutankhamuns, os africanos fabricaram um xadrez mágico que ofereceram, por qualquer motivo que o tempo obscureceu, aos povos do norte da frança. Esse xadrez continha o segredo para a imortalidade: em oito jogadas dever-se-ia atingir o xeque-mate. O jogo, porém, não era imediato e a partida levava a vida toda (mas a recompensa era toda a vida). Cada um dos quadrados do tabuleiro significa um dos sessenta e quatro elementos naturais da tabela periódica (na altura desconhecia-se a lista completa dos setenta e dois) e, desse modo, cada jogada era, na realidade, um pedaço da receita para o fabrico do elixir sagrado. As peças eram do tamanho de uma criança de três anos. O xadrez esteve nas mãos de Alexandre Magno, que o jogou ao contrário, para, como aquiles, ter vida breve, mas ganhar fama eterna. Carlos Magno possuiu-o e, para não esquecer a receita do jogo certo, desenhou uma catedral rendilhada de pistas que só os iniciados saberiam ler, como Robespierre e Casanova. Hoje só sobra um cavaleiro branco enorme, guardado no museu de moscovo. O governo americano (o Bureau for Paranormal Research, quiçá) ordenou escavações em busca do resto, mas sem sucesso. A estória, decorada por muitos mais pormenores, encontou-ma George hoje. Os meus olhos brilhavam, seduzido por uma mitologia onírica, lembrando a busca de Corto pela clavícula de salomão em veneza. Acaba aqui a parte interessante da minha crónica.
Acordei e fui em busca de um pequeno almoço, aterrando no Gusto. O café, alas, não me soube particularmente bem (talvez os ingleses sejam simplesmente incompetentes nesta matéria). Ainda me interroguei se o sabor amargo seria um efeito secundário do fairtrade. Eu julgava que a marca era uma criação para o meu exame de alemão, onde todo o teste cirandou em volta disso; inglaterra desenganou-me do erro. Aqui, de resto, há uma grande consciência social e ecológica: Bristol, aliás, tem a maior rede de ciclovias do UK e toda a gente parece holandesa, nas suas bicicletas.
Às 11 a.m. fui à missa, com as malas agarradas. A igreja com muita gente nitidamente estrangeira (talvez das ex-colónias?) e não muito cheia. O rito, curiosamente, não é exactamente igual ao nosso: algures no fim da oração dos fiéis rezou-se a avé-maria e passa-se, genericamente, mais tempo de joelhos. Foi estranho não saber o que dizer e temia muito o momento da paz, mas consegui perceber a tempo o que deveria dizer quando apertasse mãos (já não recordo, porém). Fiquei contente de perceber as leituras, mesmo se muito desiludido por constatar que, afinal, contra a mitologia literária, já não se usa a king james bible com os seus dost e thou e thy & afins.
Alguns telefonemas, ver duas casas. Penso poder começar a estabelecer uma lei (talvez exageradamente): quanto mais organizados os serviços públicos de um país, tanto mais desarrumadas as pessoas são na sua intimidade (e a regra, como o mostra Portugal, funciona também em sentido inverso). Já era o mesmo, em parte, com os alemães, e a regra parece aplicar-se bem também aos ingleses (certo: Gordon Brown perdeu os dados de vários dos seus cidadãos – isso não é propriamente bom serviço público, mas demos ao acidente o benefício da dúvida). A casa que fui visitar em Redland deixava, no campo da arrumação, muito a desejar, mesmo se era boa no demais, com a excepção de me proibir entrada até dia seis. Outra ficava no bairro africano e era até bem fornecida; padece do mesmo problema: não posso move in até início de outubro – e o YHA começa a tornar-se um fardo pesado que faz a carteira leve.
Gastei a noite aqui, nos sofás que já são meus e do George (hoje lembrámo-nos mesmo de sugerir que erguessem ali uma estátua em nossa honra; vá lá, pelo menos uma placa comemorativa). Para não dar ₤2 só pela internet, gastei-as no bar de cá (o que me dá direito a navegar na mesma) com um chá inglês e um pequeno chocolate para acompanhar. Belíssimo chá – e pensar que foi Catarina que o introduziu cá (mas também fomos nós que emprestámos o leque aos espanhóis e ainda se há-de descobrir que as baguettes aos franceses e os chocolates aos suíços). Hoje, uma dezena de páginas de Proust, chá inglês para a alma.
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- ₤2,50 (pequeno-almoço); - ₤0.20 (missa); - ₤21.95 (YHA); - ₤2.86 (almoço + jantar); - ₤2 (internet + chá & chocolate); - ₤0.50 (água)
/quadro: The Chess Game, de John Singer Sargent/

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