terça-feira, setembro 30, 2008

Bristol Memoirs §13: 28, 29 & 30 do Idem - Livro do Sossego

#1
'Well, how are you? retired? how's everything? what have you been doing with yourself?'
'I have been bored!' answered Pechorin with a smile.
Lermontov, A Hero Of Our Time
(tradução inglesa de Vladimir Nabokov & filho)

Resposta genial, sumário todo do romantismo, crónica de nós (a era do vazio é-te muito mais velha, Lipovetsky). A prova máxima da estupidez do nosso sistema de ensino é aprender-se que Os Lusíadas são o épico nacional: é n' Os Maias*, amigos, que está a verdade sobre Portugal (olhar com atenção o subtítulo do livro).

*Os Maias - Episódios da Vida Romântica, de Eça de Queirós,
consûl um pouco por todo o mundo, também em Bristol
e na casa em cima (a dez minutos da minha),
onde escreveu o romance.
/fotos © M./

#2
De sábado para domigo fiquei alojado em casa do casal que o BISC me arranjou, um par de idosos de invulgar simpatia. Há, aparentemente, mais uma rapariga portuguesa em Bristol, para lá de M. Ao que parece, movo-me nas suas peugadas só para não a achar jamais. Das duas vezes que fui ao BISC me avisaram que ela tinha estado lá na noite anterior, a que eu faltara. Não há duas sem três: os Adams (era o nome da família, mas não tinham nenhuma mão sem corpo) tinham-na acolhido algumas noites antes na sua casa. No dia seguinte, domingo, convidaram-me para ir ao service deles. Avisaram-me que não eram católicos e pela descrição tinha percebido que haviam de pertencer a uma qualquer igreja menor. Descobri depois que eram evangélicos. A «missa» causou-me um pouco de confusão. Basicamente, cantava-se cantava-se cantava-se alguém falou cantava-se cantava-se longa reflexão por um dos membros sobre o segundo capítulo dos actos o do pentecostes cantava-se cantava-se cantava-se mais fim. Depois houve meia hora para chit chat, muito agradável: as pessoas da comunidade (coisa pequena, trinta gatos) revelaram-se bons interlocutores. Voltámos a casa dos Adams para um almoço de grupo (juntaram-se-nos vizinhos e membros da igreja), longo mas delicioso. Às três, parti para a minha nova casa. O landlord fez-me percorrer a casa toda, ensinando-me os cantos e os usos. Jantámos todos o meu primeiro jantar vegetariano: se não tivesse a informação, não o adivinhava. Antes, não sabendo a hora certa da refeição (o senhorio tinha dito algo entre as seis e meia e as sete, por ser fim-de-semana), com medo de deixar fugir a comida, interrogando-me se me chamariam ou não (medos parvos, mas que um homem tem), fui-me sentar a ver televisão, no lounge ao lado. A Amy (a filha deles, circa 13 anos) estava a ver o X-Factor, o Ídolos daqui, talvez com mais estilo, mas com a mesma novela e ranho e choro. Despesa do dia de hoje: £0.

#3
Os ingleses não aquecem o leite que bebem. Na pousada, na semana passada, resolvi, para variar, não comer croissants: quis arriscar uma malga de cereais, como em casa de L. Feliz, verti o leite na taça, só para descobrir tarde demais que estava frio como o alaska da palin a fazer tristes figuras nas entrevistas na televisão. Ontem não fui parvo: bebi café com torradas.

#4
As tomadas aqui são diferentes, com três entradas no lugar de duas (porque, como já se disse acima, não há duas sem três). É engraçado reparar que, ao lado de cada tomada, existe um interruptor, que se tem de premir se queremos energia. Não lhe percebo bem o sentido, mas numa nação que bebe leite frio tudo é possível. Chato foi que o meu telemóvel ficou sem bateria e não tinha adaptador à mão nem ao pé (nem a nenhuma outra parte do corpo) para o carregar. Resolvi descer a cidade toda até ao novo centro comercial, o Cabot Circus, inaugurado na semana passada ao lado de outros dois, formando um conjunto impressionante e uniforme. Dizer que só um dos três é um centro comercial normal, fechado: o outro, as Galleries, são ao ar livre, e o Circus é como que uma mistura dos dois formatos, à la Fórum de Aveiro. Faz falta aqui na Inglaterra uma coisa tipo Rádio Popular ou Worten. Lojas dessas são poucas, e os adaptadores estavam esgotados. Acabei por ser direccionado para uma loja no The Mall (o centro comercial fechado) que, pelo nome, era especialista em ferros de engomar. Senti-me um bocado estúpido a entrar ali, mas obedeci. Descobri depois que os homens (aqui a palavra deve ser entedida como referindo-se exclusivamente aos elementos do sexo masculino) salvaram os europeus nas terras de isabel2: os adaptadores ingleses para as fichas das máquinas de barbear, não sendo desenhados para isso, acabam, porém, por servir para qualquer outro aparelho - comprei um e fui-me embora. Cheguei a casa e descobri que havia um deles no meu quarto, afinal. Eu acho que há algo de parábola nisto.
/foto: cabot circus, no dia da inauguração, quinta passada/

#5
"...a language in which the verb "to have" is an intransitive and in which "to be rich" is the same word as "to give"..."
Ursula K. LeGuin, Always Coming Home,
requesitado da biblioteca da faculdade ontem.


#6
Se me perguntarem o que fiz hoje, respondo que nada. Acabei, contudo, por comprar algumas coisas mais (how can money be the root of all evil, if shopping is the cure for all sadness?, perguntava um postal em que tropecei no caminho para casa), como: um dossier, um bloco de folhas a4 pautadas, uma esponja para engraxar os sapatos, duas caixas de deliciosíssimos cookies belgas de manteiga com pepitas de chocolate, e (meu primeiro pecado) o english reference collection da Penguin, completo (são oito livros, com coisas como um dicionário de abreviaturas inglesas, um prontuário ortográfico, um livro de expressões idiomáticas & dicionários, inter alia). Custava isto, no preço original, £62, 92: paguei eu £9.97.

#7
The rain in Spain stays maily in the plain e na Inglaterra é por todo o lado.
Hoje foi o primeiro dia de chuva.
*
- £2.75 (almoço); - £4.17 (engraxador de sapatos + bolachinhas belgas); - £3.98 (dossier + folhas); - £9.97 (the penguin complete english reference collection)
ontem: - £3.99 (adaptador); - £0.99? (lenços); - £3.29 (almoço)

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