Todas as portas em inglaterra são portas de incêndio, explicou-me George. Significa isso que, no caminho para sair do edifício, todas as portas são de empurrar e jamais de puxar (actividade longa, própria das situações de um homem descansado). De uma maneira geral, parece existir em inglaterra onde sempre chove (e ainda não choveu) uma paranóia com incêndios: instaram-nos a ler com atenção as medidas de evacuação do edifício em caso de fogo. O George gastou a noite a pensar num truque para nós os três (me, M. e Giulia, a italiana). Insistiu uma vez R. comigo na necessidade de se estender o conceito de arte, de não o ter como um chapéu-de-chuva fechado, mas abri-lo (isto tudo a propósito de um ventríloquo de talento). Marcaram-me muito essas palavras, como ferro em brasa, e desde então meti-as nos fundamentos do meu pensamento da estética. A magia, definitivamente, deveria ser englobada, sem discriminação, no universo das artes, só pela razão de que o é: a forma de George mover as mãos enquanto baralha as cartas atinge o lirismo motor (¡expressão rude!) de uma batuta de orquestra a copiar o mar nos gestos. A magia é uma forma de dançar, Zaratustra.
O house search event era/é/foi (daqui a alguns dias) no Churchill Hall (o primeiro-ministro inglês do v e do charuto foi reitor da Uni). Chegar lá levou-nos a manhã como um ladrão, com a gorjeta do cansaço de subir a pé um monte. Almoço normal, mas estrangeirado (pizza). Distribuíram-nos dossiers vermelhos (não pretos, Allan) com informações e um cartão sim de uma companhia aparentemente imbatível (reflectir agora que gastei mais de uma manhã ontem na busca disso). Desde o princípio, faz quase um ano, quando foi o tempo de escolher a universidade (com o cuidado com que se colhe a primeira rosa a dar à namorada), o site de Bristol, com o seu eficaz design e interface facilmente navegável (e eu sou marinheiro, pelo que estas coisas, naturalmente, contam na minha balança), convenceu-me. Ao longo dos meses fui confirmando a alta eficácia deles, mas nada me podia preparar para o cuidado maternal da Uni em nos fornecer, gratuitamente, um cartão sim com ₤3. Acreditamos de facto que aqui contamos como pessoas – inteiros | próprios | únicos – e que estamos numa dimensão ontológica superior à de uma mera senha numa fila de uma secretaria qualquer que abre umas escassas quatro horas e meia por dia. Coimbra é terceiro-mundista e está doente (não sem razão é a minerva da universidade verde: é o enjoo de tudo aquilo): deixa de acreditar que saltas quando dás soluços – só sobes os ombros.
Gastámos a tarde a telefonar a landlords&-ladies e a responder/enviar e-mails. Sai-se cansado disso. Três casas a ver amanhã, mas duas não sei se me servem contratos de quatro meses apenas (essa a grande dificuldade). Jantar às seis e meia – devia-me começar a habituar a isso. O sítio está povoado de alemães, com os quais já meti conversa inglesa. Os ingleses domesticados para isso conseguem aparentemente falar um francês quase perfeito, coisa surpreendente. E sim: as italianas são belas (uma rapariga basta para a confirmação da raça toda) e os rapazes delas continuam a reconhecer-se à distância. Expulsaram-me do bar às 11 e às 11:45 mandaram-me para o quarto: ainda tenho de me habituar ao jetlag.
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- ₤2.30 (autocarro); - ₤90.00 (house search event)/foto: Churchill na Universidade de Bristol - reparem no olhar do rapaz da retaguarda: um dia escrevo uma composição sobre ele/
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