quinta-feira, setembro 18, 2008

Bristol Memoirs §5: 18 do Idem - Em Busca do Vale Encantado

É proverbial e mentirosa a frieza dos ingleses e do seu tempo (weather, para evitar confusões). O sol abriu hoje ao meio-dia como uma loja e eu despi o casaco branco de verão. De alguma forma, a simpatia nativa da cidade pega-se a quem a visita: encontro-me a dizer sempre good morning! e thank you! ao condutor de autocarro quando entro e quando saio (hoje comprei finalmente um one day ticket – mal feito: quase não o usei, mas quem adivinhava sem aulas da trelawney?). Voltei hoje ao O’Briens: não há, fique aqui assente, melhor casa de sandes na cidade toda (é urgente postar alguma imagem das sanduíches para eles terem uma ideia que as palavras falham – regista, regista). Estava a fazer tempo para um encontro que tinha, para ver casa, chega uma velhinha aponta-me o dedo diz-me que me viu um doppelgänger em Temple Meads. Com a sabedoria que recolhi d’A Casa Dourada de Samarcanda, disse-lhe ser melhor não me cruzar com ele, pois no acontecimento disso um havia de matar o outro (dita a superstição). Entusiasmou-se a senhora (70 anos) e narrou-me, como uma avó aos netos uma estória, os seus problemas enrolados em coscuvilhice (aborrecimentos de heranças, coisa chatérrima: por isso é que devíamos ser todos um Santo Agostinho da Silva e ter no apartamento só gatos e livros – ninguém fará muita fuss por causa disso depois de mortos). 
O quarto, esse, era pequeno, sim, mas suficiente; a cozinha bem equipada (o micro-ondas tinha-se avariado há pouco tempo, havia que o reparar); a casa-de-banho pequena, mas somos só dois. O guy era descontraído, filho de uma australiana e de um escocês que se conheceram num pub; alertou não haver TV, mas não vimos problema nisso. Pediu-me até sábado para tomar a decisão se me aceita ou não (é como aqueles CDs na loja, que namoramos uma semana inteira, hesitantes entre o desejo e a carteira: decisão morosa como a justiça portuguesa). De manhã tinha visto outra casa, do outro lado do rio, trinta minutos a pé para o centro da cidade, cinco pessoas. Ponderei seriamente assinar o contrato, como um zeus a pensar se dá a tétis o favor de honrar aquiles (e a hera que me vai chatear tanto, eu não suporto aquela mulher caprichosa como a minha avó). Acabei não o fazendo (aí eu e zeus somos diferentes). 
Eu e M. saltámos ainda à pousada, a ver George, a estudar mais truques de magia e a mostrar-nos outros. Ligo a mais senhorios: uns não oferecem contratos de quatro meses apenas; outros, os quartos já estão taken (ou gone – a terminologia usada varia entre os dois verbos). O jantar foi veggie, a lembrar as Amarelas. Nas minha ambulância pela cidade, perto do pino do sol, apercebi-me de quanto há ainda a descobrir. Encontrei, por exemplo, o paraíso: um sítio, na Park Street, com alguns dos melhores filmes de sempre entre ₤ 1-3 e CDs míticos (daqueles que entram no grimmal entre uma entrada dedicada a afrodite e outra a elisa/dido) a ₤5 (algures lá encontrei uma muito possível prenda de natal para ____.). Dei ainda um salto à Waterstone (com todos os livros da Penguin e da Oxford com os textos nórdicos e as eddas): não descobri, contudo, para grande vergonha da livraria, Pessoa (devia saber que a coisa acima da qual nada mais perfeito se pode pensar é Deus – St. Anselmo dixit, no argumento mais estúpido de sempre a favor da existência d’Ele – e não a inglaterra, ao contrário das minhas primeiras impressões). 
(entretanto, coisas importantes: novo CD dos Queen e novos posters do Corto).
*
- £3.90 (autocarro); - £3.45 (almoço)
ontem: - £2.64 (almoço); - £1.30 (autocarro); - £1.80 (autocarro); -£1.55 (autocarro)
/foto: um dos melhores graffitis que vi nos últimos tempos, Park Street, Bristol/

Sem comentários: